Há dois meses, a alimentação dos 460 estudantes da Escola Municipal Professor Enaldo Manoel de Souza, localizada no Jordão, na Zona Sul do Recife, resume-se a pão, bolacha, biscoitos, sucos e algumas frutas.
A ausência de uma merenda escolar mais diversificada e em consonância com o planejamento nutricional, de responsabilidade de uma profissional vinculada à prefeitura, e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é consequência das condições inadequadas da água que chega na instituição de ensino.
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De acordo com uma funcionária da escola, o problema com a água foi constatado em janeiro de 2023 após uma coleta de rotina.
“Desse dia até uma nova coleta demorou um tempo, porque essa notificação foi em 2 de janeiro e a Vigilância Sanitária só voltou aqui em fevereiro, no final de fevereiro. Quando eles voltaram, o resultado continuou o mesmo e eles disseram que teriam que voltar. A escola relatou o problema para a Secretaria de Educação do Recife e vieram, uma terceirizada, fazer uma lavagem na cisterna e caixa, porque a escola tem esses dois sistemas, e realizam uma nova coleta na cisterna, torneira e até da água do caminhão pipa, mas ainda apresentou alteração”, explicou ao LeiaJá.
A manobra para manter a oferta da merenda escolar, com itens repetitivos, precisou ser feita, com o conhecimento de órgão vinculados à gestão municipal, para que objetos, como pratos, copos e talheres, não sejam contaminados.
“Os utensílios de cozinha precisam ser limpos. Se a gente recebe, por exemplo, uma dobradinha, que é um prato que consta no cardápio, vai precisar de uma limpeza melhor, por conta da gordura. A gente recebe garrafões de água mineral para essa lavagem, mas quem consegue lavar bem os pratos, que receberam esse tipo de alimentação, com baldes?”, questiona a profissional.
Cardápio que não é seguido devido à contaminação da água. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Mesmo com a problemática, as aulas seguem mantidas na escola. No entanto, a profissional salienta que a situação, além do comprometimento nutricional, reflete nas questões de higiene, pois, os alunos não podem lavar as mãos, após a utilização do sanitário ou de atividades com tinta, e acarreta perdas pedagógicas.
“A escola funciona de forma regular. Aqui, nós temos 200 estudantes pela manhã, 200 à tarde e 60 à noite, que são da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na EJA, a situação é mais delicada porque se trata de estudantes mais velhos, que vêm direto do trabalho, sem jantar e quando chegam aqui são alimentados com biscoito, pão. Muitos acabam indo para casa e não comparecem às aulas, o que causa uma grade perda pedagógica”, expõe.
Além disso, discentes que possuem uma limitação alimentar, devido a alergias ou intolerâncias, ficam sem alternativa e o que já era escasso se torna ainda pior.
“Temos uma aluna com intolerância à lactose e ela acaba comendo só a fruta. Quando tem pão com queijo, ela só se alimenta do pão seco, porque a maioria dos alimentos da merenda que chegam tem lactose”, conta uma outra trabalhadora da Escola Municipal Professor Enaldo Manoel de Souza.
À reportagem, ela também aponta que houve uma desconstrução de tudo aquilo reforçado durante a pandemia.
“A gente passou muito tempo construindo uma rotina de higiene com os alunos. O que mais a gente falou durante a pandemia foi ‘lavem as mãos’ e, agora, a gente está desconstruindo isso. Como é que a gente vai garantir a higiene dessas crianças, principalmente das mais novas? Elas vão ao banheiro, não lavam a mão e pegam na comida, no colega. Há a orientação para eles e a gente reforça que após o uso do banheiro é necessário higienizar com álcool, todas as salas têm álcool 70%. Mas, muitas vezes, os alunos esquecem”, relata.
Uma questão alimentar e de saúde
Elizângela e Evelinkarla são mães de alunos da Escola Municipal Professor Enaldo Manoel de Souza. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Durante a presença da reportagem do LeiaJá na frente da instituição, mães confirmaram o relato dos profissionais.
“A minha sobrinha já estava falando sobre a água já faz um tempo, que a professora estava falando e que eles não podiam lavar as mãos. Ela também falou que a merenda estava vindo só biscoito, broa e suco e não estava vindo as outras merendas que eram para ter. Isso me preocupa porque a saúde está um caos. Muitas vezes, não têm médico na UPA aqui perto e se o meu filho ficar doente por conta da água, eu vou levar ‘pra’ onde?”, diz Elizângela Mendonça, cujo filho é aluno do 3ª ano da Educação Infantil.
Evelinkarla, que é mãe de duas estudantes do 2º e 5º, classifica a situação como "desagradável".
"São coisas que minhas filhas usam. A água e a comida, que é necessária. Tem crianças aqui na escola que não comem em casa e dependem da merenda daqui. Elas chegam aqui e só comem biscoito, comem cedo e largam às 11h40, daqui pra lá dá muita fome e não deixa ninguém satisfeito. A merenda que era para ter não tem por conta da água".
Além de pontuar a problemática alimentar. Alguns responsáveis relataram ao LeiaJá que filhos e netos apresentaram, recentemente, sintomas gástricos, vômitos e irritação na pele.
"Até hoje meu filho não quer comer, diz que está enjoado. Ele passou uns 15 dias mal e ainda, depois de uma semana, não consegue comer bem. Acredito que seja por causa da água", disse uma responsável à reportagem.
Simpere acompanha o caso
Adneva Azevedo, diretora de comunicação do Simpere. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
A situação da Escola Municipal Professor Enaldo Manoel de Souza é acompanhada pelo Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (Simpere). Em entrevista, a diretora de comunicação do sindicato, Adneva Azevedo, aponta que a prefeitura do Recife já tem conhecimento da condição insalubre da água.
"A prefeitura só refez a análise, lavagem da cisterna e, mesmo assim, com novas coletas e com o resultado da contaminação positivo, as aulas estão sendo mantidas. Os alunos privados do seu cardápio nutricional adequado para uma merenda fria. Para além da perda nutricional, a gente entende que está tendo perda pedagógica e, principalmente, o comprometimento da saúde não só dos estudantes, mas dos professores, gestão e trabalhadores que fazem a limpeza da escola e estão em contato direto com a água contaminada sem equipamentos de proteção individual adequados", aponta.
O que diz a Prefeitura do Recife
Por meio de nota, enviada ao LeiaJá, a prefeitura do Recife afirma que já realizou duas limpezas no reservatório da Escola Municipal Professor Enaldo Manoel de Souza. Além disso, o comunicado reforça que foi solicitado uma análise da água "à empresa que abastece a unidade através de caminhão pipa, bem como uma análise da água da Compesa, para que seja possível identificar a causa do problema".
A gestão municipal também informa ainda que realizando o abastecimento na unidade de ensino com água mineral e "que, até a resolução do caso, será servida merenda fria para que os estudantes não sejam prejudicados". Com relação a informação de que alguns alunos apresentaram sintomas gástricos, "a Secretaria de Educação pontua que até o momento a gestão escolar não foi comunicada oficialmente pelas famílias".