Em uma ação sem precedentes, uma ONG apresentou nesta quarta-feira (18) na ONU uma denúncia contra a Itália por seu papel no envio de migrantes resgatados no mar para a Líbia, onde tiveram que enfrentar condições terríveis.
A Global Legal Action Network (GLAN), uma organização não governamental, apresentou a denúncia no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas em nome de um migrante do Sudão do Sul.
O homem, que atualmente reside em Malta, tinha 19 anos quando em 2018 foi resgatado no Mediterrâneo, juntamente com outras dezenas de migrantes, e foi enviado para a Líbia, onde foi baleado, espancado, detido arbitrariamente e obrigado a cumprir trabalhos forçados.
Segundo a ONG, esta é a primeira denúncia que trata da questão dos chamados "privatised push-backs" ("expulsões privatizadas"), um mecanismo segundo o qual os Estados da União Europeia contratam embarcações comerciais para devolver refugiados e outros que precisam de proteção a locais inseguros.
O texto sustenta que esses Estados transformaram navios mercantes privados em instrumentos do chamado "refoulement", - a devolução de refugiados para lugares onde sofrem perseguição e tortura - algo que é ilegal pelo direito internacional.
- 'Fórmula de abuso' -
"O que estamos observando é uma tendência preocupante em que o resgate de pessoas desesperadas no mar está sendo terceirizado para embarcações mercantes não treinadas e mal equipadas", declarou o chefe do GLAN, Gearoid O Cuinn, em comunicado, alertando que "é uma fórmula de abuso".
"Nossa denúncia legal é sobre a tentativa da Itália de abdicar de suas responsabilidades, privatizando o retorno de migrantes a um ambiente hostil na Líbia", disse ele.
O incidente específico mencionado na denúncia começou em 7 de novembro de 2018, quando o Centro Italiano de Coordenação de Resgate Marítimo (IMRCC) instruiu o navio mercante "Nivin", com bandeira do Panamá, a resgatar uma embarcação de migrantes em apuros e cooperar com a temida Guarda Costeira Líbia (LYCG).
A LYCG instruiu o "Nivin" a devolver os migrantes para a Líbia, onde os cerca de 80 passageiros foram brutalmente retirados da embarcação pelas forças de segurança líbias, que usaram gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real.
O queixoso foi baleado na perna, foi arbitrariamente detido, interrogado, espancado, submetido a trabalho forçado e teve tratamento médico negado por meses.
A queixa é apoiada por evidências de um relatório de oceanografia forense da Universidade de Londres, publicado nesta quarta-feira.
De acordo com este relatório, os "privatised push-backs" aumentaram consideravelmente desde junho de 2018 e os marinheiros são cada vez mais "usados pelos Estados que procuram fugir de suas obrigações em relação aos refugiados".
A denúncia argumenta que a Itália, ao abandonar sua responsabilidade de oferecer porto seguro aos migrantes em perigo, viola suas obrigações internacionais em termos de direitos humanos.
Em uma decisão amplamente criticada, a Itália renovou em outubro um controverso acordo assinado em 2017 com a Guarda Costeira da Líbia para bloquear os migrantes que tentam chegar à Europa.
O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas é composto por 18 especialistas independentes que emitem opiniões e recomendações com grande peso internacional, mas que não têm o poder de forçar os Estados a cumprir suas decisões.