"O presidente da empresa convocou uma reunião com todos para comunicar a demissão em massa. Toda a empresa foi desligada. Previamente, não se falava em demissão alguma, até porque, antes de pararmos, ele fez uma reunião com todos os colaboradores e disse que a intenção não era desligar ninguém", relembra Maria Izabel Tavares.
Há nove meses no cargo de coordenadora de produção, a engenheira e os 25 colegas de trabalho receberam o anúncio 20 dias após o último dia de funcionamento da empresa, que é do setor de confecção. A decisão de fechar as portas foi reflexo das medidas adotadas por Estados e Municípios para frear o avanço do novo coronavírus no Brasil; entre as ações estão o isolamento social e funcionamento apenas de serviços considerados essenciais.
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Izabel relata que não poderia calcular os impactos causados pela pandemia, muito menos que culminaria na demissão de todos os colaboradores. “Não acreditava que pudesse chegar a esse ponto de desligar toda empresa”, conta.
Diferente da maioria dos trabalhadores, Maria Izabel tem uma renda complementar. No entanto, ela não sabe até quando poderá contar com esse rendimento, mesmo assim, mantém a fé em dias melhores. “Atualmente, a renda que tenho é de um imóvel alugado no interior. Graças a Deus, esse mês recebi normal, mas não sei como serão os próximos meses. Porém, Deus irá nos ajudar a sair dessa”, diz esperançosa.
Mesmo em um cenário de instabilidade, ela segue procurando uma nova oportunidade de emprego. “Estou em busca de me recolocar no mercado de trabalho. Sempre procurando, acessando sites, cadastrando currículo, até porque, tem algumas empresas que estão contratando”, observa.
A designer gráfica Giovana Anello também foi impactada pela crise causada pelo novo coronavírus. Com menos de três meses como efetiva em um centro de exposições e prestes a finalizar o período de experiência, ela teve redução salarial e da jornada de trabalho em 50%. “Nosso home office começou antes do decreto (isolamento social e fechamento de serviços não essenciais). A notícia da redução veio um dia antes do acordo, via Skype. Além de mim e um colega, ficou decidido que toda equipe que trabalha comigo também seria afetada. Somos em cinco profissionais no setor de marketing. Porém, a redução das outras pessoas (três) foi de 25%”, relata.
Giovana conta que o acordo de redução, previsto na Medida Provisória 936, aprovada pelo Governo Federal como ação emergencial para preservação dos postos de trabalho em meio à crise sanitária, foi menos danosa para ela que temia uma demissão. “Não pensei nessa possibilidade (redução), só tinha pensado em demissão. Foi uma decisão até otimista para mim quando disseram que não aconteceriam mais demissões no meu setor”, analisa.
O trabalho no centro de exposições é a única renda da designer. Com a diminuição do ganho, ela tenta levar os dias de instabilidade a partir de uma pequena reserva emergencial. Assim como ela e Maria Izabel, vários trabalhadores sentem ou sentirão os efeitos da crise criada pela pandemia.
Desemprego e flexibilização do contrato de trabalho
De acordo com uma avaliação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 30 milhões de postos de trabalho fecharam ainda no primeiro trimestre no mundo devido ao Sars-Cov-2. Em levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a previsão é que o desemprego atinja 16,1% no segundo trimestre.
Alguns setores já começam a sentir os efeitos da crise e da dinâmica social adotada para a contenção da doença no país. Os ramos de serviços, comércio e turismo são os mais afetados de imediato.
“Há um efeito multiplicador. Quando você vende menos no varejo, termina tendo um impacto nas indústrias. Além disso, o comércio de itens não essenciais também sente esse efeito, pois, geralmente, as pessoas compram por impulso ou justificadas por um evento, ida ao trabalho. Como as pessoas estão em casa, todas essas vendas caíram significadamente”, explica o economista Ecio Costa.
Entretanto, para ele, ainda é cedo para mensurar os impactos causados pela pandemia na vida dos trabalhadores. Porém, o economista aponta que há uma forte tendência para o aumento do desemprego. “De fato, a gente ainda não tem muitas informações, porque o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), ligado ao Ministério do Trabalho, não está sendo divulgado desde janeiro/fevereiro de 2020. Então, não temos dados oficiais sobre geração de empregos formais. Pelo lado da informalidade, sabemos que há um grande número de pessoas que não estão conseguindo trabalhar”, pontua.
Ecio reverbera que muitas empresas foram surpreendidas, não possuíam reserva de rendimentos e isso ocasionou dificuldade para obtenção de recursos e, posteriormente, na manutenção dos empregos.
Nesse cenário, ele chama atenção para a MP 936. “O Governo Federal lançou medidas importantes que estão sendo adotadas pelas empresas, que promovem uma certa flexibilização nos contratos de trabalho, mas que são essenciais para a manutenção desses empregos. Essas medidas, de acordo com números apresentados, já preservaram o equivalente a quatro milhões de empregos e é provável que o governo prolongue essas ações”, explana.
Crise política e perspectiva pós-pandemia
Além da crise sanitária, o Brasil também enfrenta instabilidade política causada pela saída de ministros e acusações contra o Governo Federal. Nesse panorama, Ecio salienta que a crise política traz mais instabilidade e pode influenciar na recuperação do país pós-pandemia. “Não se sabe ao certo que caminhos o Governo Federal vai tomar. Mas, um passo importante que foi tomado pelo presidente Bolsonaro é a manutenção do Paulo Guedes como ministro da Economia. Essa sinalização é muito importante para que se tenha alguma estabilidade no campo econômico”, analisa.
Ainda segundo ele, caso haja a saída de Guedes, o novo nome que assumir a pasta deve apresentar as mesmas políticas de austeridade fiscal, promoção de reformas estruturantes para a economia do país e não apresentar medidas que geram mais gastos, visto que, o Brasil está com grande endividamento. Questionado sobre o tempo de recuperação do mercado de trabalho após a epidemia do novo coronavírus, ele lembra que “quanto mais tempo durar essa situação de isolamento social, maior vai ser o impacto na economia e, consequentemente, no desemprego, porque vai ter menos atividade econômica, menos perspectiva de retomada e uma retomada mais difícil”.
Ademais, Costa complementa que a recuperação do setor trabalhista não será imediata. “As pessoas que estão em casa consumindo menos não vão sair desesperadamente para adquirir o que deixaram de consumir durante o período de isolamento. A gente vai ter uma retomada ainda muito lenta e com muita desconfiança, principalmente, com relação aos empregos. As pessoas ficam temerosas que não terão a mesma situação do pré-crise, pré-isolamento social”, frisa.
Outro fato apontado pelo economista é com relação às empresas. “As instituições estão se endividando durante esse período de pandemia e a situação delas, após a reabertura, precisará ser muito bem equacionada porque terão imposto que foram deferidos, endividamentos novos, negociações com fornecedores e isso vai refletir na folha de pagamento e na forma de contratação. Por isso, pode haver, temporariamente, redução de quadro. Mas, como o segundo semestre, geralmente, é mais ativo que o primeiro, é possível que se tenha um aumento do consumo que venha impulsionar a economia”, salienta.
O futuro do trabalhador
Principal pilar da economia, o trabalhador enfrenta uma realidade marcada por demissões, redução salarial e suspensão de contratos de trabalho. Sem previsão para um retorno à normalidade, as projeções de um cenário pós-pandemia ainda são imprecisas.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), Paulo Rocha, adverte que as perspectivas para a classe trabalhadora não são as melhores. “Devido às pressões para reabertura da indústria e comércio, as medidas de isolamento serão afrouxadas antes do previsto. Os trabalhadores terão que retornar ao trabalho e encarar transporte público lotado, o que aumentará o risco de contaminação pela Covid-19. Para não perder o emprego, muitos profissionais vão se submeter a isso”, expõe.
De acordo com ele, a CUT defende que a retomada das atividades seja sistemática e que haja um planejamento para a segurança dos funcionários. “Alguns pontos levantados são o uso de máscaras, abertura gradual e com horários distintos do comércio, mais ônibus circulando, entre outras medidas”, esclarece Paulo.
A liderança chama atenção sobre as ações e condução da crise criada pelo novo coronavírus. “O Governo Federal está aproveitando a pandemia, junto com o Congresso Nacional, para aprovar projetos impopulares como a Medida Provisória 905 e a MP do contrato de trabalho Verde e Amarelo, sob a justificativa de prevenção dos postos de trabalho. Mas, essas já eram pautas de Bolsonaro antes dele assumir a presidência”, critica.
Com o aumento dos casos da Covid-19 no país, muitos empresas adotaram a dinâmica de trabalho home office. Para a gerente de Recursos Humanos Sabrina Torres, a prática deve continuar após a epidemia. “Empresas que não que não consideravam isso uma opção, hoje, estão bem mais flexíveis porque, de fato, funciona. Tendo líderes que consigam concentrar os esforços e produtividade da equipe não tem problema nenhum, é só uma questão de adaptação e organização. Com certeza, nesse cenário pós-pandemia, o home office vai vir, talvez, como um benefício para as pessoas e ter essa flexibilidade. Muitas empresas que eram contrárias a essa dinâmica, hoje, já a enxergam com outros olhos”, constata.
Para a especialista, esse novo sistema laboral flerta com a precarização das condições de trabalho. “O home office vem se acentuando, logo, o trabalhador passa a assumir as responsabilidades, que antes eram das empresas. As condições de trabalho ficarão sob a tutela também do trabalhador e trabalhadora, ou seja, a classe patronal se eximirá de certas obrigações. Além disso, há um risco do aumento da jornada de trabalho que não irá acompanhar a remuneração”, analisa.
Em um panorama mais otimista, Sabrina ressalta que os profissionais devem se qualificar neste período de isolamento e, como alternativa para driblar o desemprego e garantir renda, executar atividades como freelancer. “Usar este período para tentar se qualificar e buscar oportunidades. As contratações temporárias e de freelancer tendem a aumentar, pois as empresas estarão se adaptando, recuperando-se dessa crise e não terão, de imediato, como contratar muitos funcionário sob o regime CLT”, explana.
Sobre isso, o presidente da CUT sinaliza que o resultado será a criação de postos de trabalho precários, ou seja, sem carteira assinada, com jornada excessiva e baixos salários. “Diante disso tudo, pouco temos o que comemorar neste 1º de maio, Dia do Trabalhador. O cenário que se desenha não é favorável para a classe. Teremos muita luta, diálogo e ações para garantir o bem-estar dos trabalhadores e trabalhadoras”, afirma.
Conteúdo publicado originalmente pelo site institucional da UNINASSAU