Com aval do Planalto, o ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB), exerce uma crescente influência na condução de políticas que tradicionalmente são atribuições da pasta da Saúde. O ministro Luiz Henrique Mandetta, um dos três representantes do DEM no primeiro escalão, assiste de longe a movimentação.
A interferência de Terra nos domínios de Mandetta segue um roteiro traçado pela família Bolsonaro e seria reflexo não apenas de um descontentamento com o perfil mais discreto do ministro da Saúde.
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A estratégia serviria também para restringir os poderes do partido de Mandetta, o DEM, que flerta com potenciais adversários de Bolsonaro em 2022. Nessa lista está o governador tucano de São Paulo, João Doria. O apoio explícito a Terra representaria um sinal silencioso sobre o risco de o DEM perder o espaço que atualmente detém.
A movimentação começou ainda em maio, quando Terra entrou em cena - e tomou todo o espaço - para defender um projeto de sua autoria que alterava a política de drogas no País. Embora o tema lhe fosse caro, chamou a atenção na ocasião a pouca participação de integrantes do Ministério da Saúde no debate que era travado no Congresso Nacional. O ministro da Cidadania saiu vitorioso e agora conduz outra empreitada, a de impedir a regulamentação pela Anvisa do plantio de maconha no País para produção de medicamentos e pesquisas sobre a planta.
Terra e Mandetta têm estilos opostos. O ministro da Saúde é mais contido e procura se afastar de temas considerados polêmicos, encampados pelo governo. No início do ano, quando Jair Bolsonaro anunciou a retirada da caderneta de saúde para adolescentes e criticou o conteúdo do material, que mostrava imagens do aparelho sexual feminino, o ministro afirmou que o problema poderia estar relacionado à faixa etária a que a caderneta se destinava.
Terra, por sua vez, assume cada vez mais o estilo, o discurso e as bandeiras de seu chefe. Para garantir a contundência nas declarações, às vezes se afasta do que a ciência e os indicadores mostram.
Com o passar dos meses, Mandetta ocupa menos espaço público. Terra vive trajetória inversa. Suas críticas se tornam mais enfáticas e sua presença nos eventos públicos, mais frequente. Ele procura, por exemplo, marcar presença em cerimônias que contam com a participação da primeira dama, Michelle Bolsonaro.
Na semana passada, ele esteve ao lado dela durante a entrega de cadeira de rodas, no Hospital da Criança de Brasília. Mandetta cancelou a participação no evento, enviando como representante seu secretário executivo, João Gabbardo dos Reis, muito próximo de Terra.
Médico e deputado federal, Terra sempre foi conhecido pela sua predileção pela gestão na área de Saúde. Seu nome já foi cogitado algumas vezes em listas de candidatos para liderar a pasta. Quando da composição da equipe de Bolsonaro, o nome de Mandetta foi apontado por um grupo de parlamentares ligados à Seguridade Social. Terra era um dos integrantes do grupo.
Congresso. A ideia do governo era escolher um nome próximo do Congresso. E o ministro da Cidadania garantiu o seu quinhão. Ele foi o responsável pela indicação de Gabbardo para a secretaria executiva. E uma das áreas mais relevantes da pasta, a de Atenção Primária à Saúde, foi reservada para Erno Harzheim, por indicação de Gabbardo.
Há pouco mais de um mês, Terra centrou seu poder de fogo na regulamentação da plantação de maconha para uso medicinal discutida na Anvisa. Mandetta já havia se posicionado sobre o assunto, mas de forma bastante sutil. Ele argumentava que o tema deveria ser norteado por avaliações científicas. Terra foi responsável pela mudança do tom. Disse que a regulamentação poderia ser o primeiro passo para a liberação do uso recreativo da maconha e fez duras críticas à Anvisa.
Bolsonaro seguiu o tom do ministro da Cidadania e, mais tarde, Onyx Lorenzoni também se manifestou sobre o tema. Diante dessa movimentação, o ministro da Saúde acabou se adaptando ao discurso e também se posicionou contrariamente à medida.
Além de aumentar o tom das críticas, o ministro da Cidadania ficou encarregado de traçar estratégias para uma eventual reação do governo caso seja aprovada na Anvisa a permissão da plantação de maconha para fins de pesquisa ou uso medicinal.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Mandetta disse não se incomodar com a postura de Terra. Ele lembrou que o ministro da Cidadania tem um longo histórico de luta contra drogas, sendo natural, com essa trajetória, a manifestação sobre a regulamentação da Anvisa.
Dentre seus pares, no entanto, as críticas têm sido consideradas excessivas. Um dos colegas de Terra no MDB afirma que ele não poderia traçar tamanha batalha contra os compostos existentes na maconha, sobretudo o canabidiol, já usado para medicamentos. A reportagem procurou o ministro da Cidadania, mas não obteve retorno.
Como artífice das bandeiras do Planalto, Terra dedica-se à agenda de costumes. Na semana passada, diante das críticas de Bolsonaro, ele suspendeu um edital que havia selecionado séries sobre diversidade de gênero e sexualidade. A medida foi classificada como censura pelo secretário especial de Cultura, Henrique Pires, que, em protesto, pediu demissão. Ele também encampou um discurso do presidente, repetindo, um mês depois, que brasileiro não passava fome.
Para emedebistas, o comportamento de Terra mira apenas benefício próprio, o que tem gerado descontentamentos. Um dos colegas do ministro afirma que ele agora partiu para "voo solo", sem se preocupar com seus colegas de partido.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.