Condenados por "abuso de poder", o suíço Joseph Blatter e o francês Michel Platini foram suspensos do futebol por oito anos. A decisão foi anunciada pela Fifa na manhã desta segunda-feira e marca um divisor de águas na história da entidade que, pela primeira vez, afastou do futebol seu presidente. O gesto também passa a ser considerado como uma demonstração de que a entidade quer "virar a página" em relação à corrupção, afastando seus antigos chefes.
Para Blatter, com 79 anos, a decisão representa o fim de sua carreira na gestão do futebol. Ele esperava ser inocentado para que pudesse voltar ao comando e, em fevereiro, entregar o cargo ao seu sucessor. Platini esperava também ser inocentado, desta vez para ser candidato à presidência da Fifa. Ambos ficam afastado de qualquer envolvimento com o futebol até o ano de 2023, depois da Copa do Mundo do Catar, e a aplicação da medida é "imediata". Blatter, assim, deixa de vez seu cargo na Fifa e Platini é obrigado a abandonar a presidência da Uefa e seu sonho de ser presidente da Fifa.
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O Comitê de Ética da entidade havia suspendido ambos de forma provisória por 90 dias, enquanto examinava o caso. Blatter e Platini são suspeitos por conta de uma transferência de US$ 2 milhões do suíço ao francês, em 2011. O Ministério Público da Suíça também investiga o caso.
Ambos fecharam um entendimento para apresentar a mesma argumentação ao Comitê de Ética: a de que o dinheiro era um salário atrasado que a Fifa devia para Platini. Mas os juízes suspeitaram quando ficou claro que o salário era sobre um suposto serviço que ocorreu nove anos antes. Blatter e Platini também defenderam a ideia de que não existia um contrato por escrito. Para a Fifa, porém, a realidade é que houve suspeita de falsificação do balanço financeiro da entidade. Blatter era presidente e Platini, em 2011, seu vice-presidente e teriam de ter informado aos demais membros do Comitê Executivo sobre o pagamento, o que não ocorreu.
Mas a decisão promete ser polêmica. Segundo o comunicado, o pagamento de US$ 2 milhões "não tem base legal". "Blatter não conseguiu demonstrar qualquer outra base legal para o pagamento", insistiu o Comitê de Ética. A tese de um "acordo de cavalheiros" não foi "convincente e rejeitado". O Comitê também admite que as evidências coletadas não foram suficientes para provar que se tratou de corrupção. Mas aponta que a "conduta de Blatter em relação a Platini sem base legal constitui uma violação das regras da Fifa sobre dar e aceitar presentes e outros benefícios". "Além disso, Blatter se encontrou em uma situação de conflito de interesse, falhando em publicar essa situação e a existência de interesses pessoais", indicou a Fifa.
A decisão apontou que Blatter colocou seus interesses pessoais acima dos da Fifa. "Suas ações não mostraram compromisso com uma atitude ética, demonstrando um uso abusivo de sua posição de presidente da Fifa e violando as regras de conduta". Além da suspensão, ele terá de pagar US$ 50 mil em multas. Os mesmos argumentos foram apresentados sobre Platini: não conseguiu convencer os juízes sobre a natureza do pagamento. "Além disso, Platini fracassou em agir com completa credibilidade e integridade, mostrando desconhecimento da importância de suas obrigações", indicou o Comitê de Ética.
"Suas ações não mostraram compromisso com uma atitude ética, falhando em respeitar leis e regulações e demonstrando um abuso de sua posição como vice-presidente da Fifa", apontou. Além da suspensão, ele paga US$ 80 mil em multas. Blatter e Platini ainda podem recorrer à Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês). Mas a decisão dificilmente será revertida e marca o fim melancólico de dois dirigentes que, por anos, mandavam no futebol.
O ex-presidente tinha na Fifa sua própria vida e era acusado por opositores de confundir a história do futebol com a sua própria. Blatter entrou na entidade ainda nos anos 70 e passou a ser o braço direito de João Havelange. Juntos, os dois criaram um sistema clientelista no qual as federações nacionais recebiam privilégios, dinheiro e torneios em troca de um apoio incondicional aos dois cartolas em Zurique. Apoiado principalmente por países irrelevantes no futebol, Blatter costurou a criação de um império que o permitiu vencer cinco eleições a partir de 1998. Mais de cem federações pelo mundo dependiam praticamente de forma plena dos recursos que a Fifa os enviava.
Mas, no dia 27 de maio de 2015, a história de Blatter mudaria de forma profunda. Uma ação policial em Zurique e na sede da entidade fez com que as empresas patrocinadoras exigissem sua saída. Quatro dias depois de vencer as eleições, o suíço foi obrigado a anunciar novas eleições, em fevereiro de 2016. Ele estava convencido, porém, que voltaria ao poder e usaria esse tempo para desmascarar e manobrar seus opositores, os eliminando. Assim, em fevereiro de 2016, demonstraria às 209 federações nacionais que apenas ele poderia continuar mandando na Fifa.
O que ele não contava, porém, era com uma ação da polícia de Zurique que, em setembro, entrou na Fifa e o colocou como suspeito por corrupção e gestão desleal. Apesar de insistir em sua inocência, foi obrigado a deixar seu escritório na Fifa. Ao mundo, chegou a dizer que não era "demônio".
CAMPANHA - Quem também conheceu o fim de uma trajetória de poder no futebol foi Michel Platini, presidente afastado da Uefa e candidato à presidência da Fifa. Argumentando que a decisão sobre sua punição já havia sido tomada, o francês sequer apareceu ao tribunal da Fifa na última sexta-feira. Ele alega que a manobra foi orquestrada por Blatter para o impedir de ser presidente da Fifa.
Platini era considerado como o herdeiro político do cartolas suíço e, por anos, aguardou sua vez de concorrer à presidência. Mas, em 2011, rompeu com Blatter, depois que o dirigente descumpriu uma promessa feita e voltou a se apresentar para o comando da Fifa. Platini considerara que aquela era sua vez. Hoje, a suspeita é de que Blatter tenha feito o pagamento de US$ 2 milhões justamente para compensar Platini por não se apresentar ao pleito. Hoje, ambos estão banidos do futebol.