Os últimos dias têm sido intensos para a professora Antonella Galindo, recém-eleita vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife (FDR), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Com 16 anos de docência na instituição, Antonella venceu, na chapa do professor Torquato de Castro Júnior, uma eleição histórica para a comunidade acadêmica. Com 195 anos de existência, a professora é a segunda mulher vice-diretora e a primeira trans eleita na FDR.
“Uma faculdade com 195 anos de história só teve uma mulher diretora e uma mulher vice eleitas. Eu sou a segunda mulher a assumir o cargo de vice-diretora e a primeira mulher trans. Isso, de fato, é inusitado, chama atenção. Mesmo o pessoal questionando que essa não deveria ser a questão, que a imprensa deveria destacar o meu currículo, mas, fico pensando que é exatamente isso que deve ser destacado. Porque pessoas que assumem cargos com bons currículos é um fato, até certo ponto, corriqueiro. Mas, uma pessoa de um segmento social historicamente vulnerabilizado chegar aonde eu estou chegando é realmente inusitado, inédito”, ressalta a docente.
##RECOMENDA##Antonella Galindo ressalta à reportagem sobre a importância do destaque da eleição na mídia e reforça o seu comprometimento com a comunidade trans e LGBTQIA+. “Para a sociedade em geral desmistifica e desmitifica o fato de ser uma condição que, de algum modo, impeça pessoas como eu de estarem nesses lugares e para as pessoas trans é um estímulo, no sentido de que elas não precisam ser condenadas a profissões muito específicas”, diz.
Professora Antonella Galindo na FDR-UFPE. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Com formação acadêmica pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e mestrado e doutorado em direito na instituição onde atualmente leciona, ao LeiaJá, a docente contou que a escolha pelo direito foi reflexo pelo gosto pela leitura, pelas Ciências Humanas, como também uma possiblidade de ganhos financeiros e sem interferência familiar.
“Sempre fui muito estudiosa, gostava muito de ler, sempre tive um português muito bem concatenado (...) o direito terminou sendo, na época, algo que unia, de certo modo, possibilidades de ganhos financeiros, uma profissão que era talvez, menos difícil de galgar uma condição financeira melhor. No direito, o que me encantou, embora eu pensasse em ser advogada, ou mesmo juíza ou promotora, foi quando eu comecei a fazer monitoria e tive esse contato com a sala de aula, transmissão de conhecimento, debate de pesquisas. Isso terminou me encantando de uma forma e coincidiu com a abertura de faculdades e, com isso, tinha mais oportunidades profissionais”.
A trajetória profissional de Antonella Galindo foi dedicada à docência. "Advoguei muito pouco", frisa. Após terminar o doutorado, a professora participou de processos seletivos em universidade federais. "Fui professora nas três nos estados de Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Aqui na FDR sou, atualmente, vice coordenadora do curso [de direito] e fui, por dois mandatos, subchefe de departamento e, em outras faculdades, eu fui coordenadora de curso, de pós-graduação, de pesquisa e extensão”.
A vice-diretora recém-eleita na entrada da FDR. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Eleições
“Torquato [Castro Jr] sentou comigo e falou da vontade de me ter na chapa dele. Eu questionei no sentido que tinha acabado de me assumir publicamente e que tinha um certo medo. Embora eu tenha sido muito bem recebida pelos funcionários, pelos alunos, pelos colegas também, mas, uma coisa é ser professora, outra coisa é cargo de gestão. Não sabia até que ponto a faculdade, que tem também um conservadorismo, por mais que eu tenha um currículo que me credencie, estaria preparada pra um processo eleitoral desse”, observa.
E complementa: "Ele disse: olha, eu quero que a faculdade esteja preparada exatamente para isso, porque, se não for, também não vai estar preparada para as minhas ideias, minhas perspectivas, para aquilo que eu entendo como é democracia, participação, inclusão, horizontalidade".
Concorrer ao cargo de vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife não fazia parte dos planos da professora. "Eu tinha passado muito recentemente por esse processo de transição de gênero, de me assumir publicamente com uma nova identidade e isso já tinha sido um processo muito desgastante, muito duro, das perdas que eu tive por mudanças na minha vida pessoal, na minha vida familiar. Tudo foi muito desgastante. Até que o momento, depois de conversar com várias pessoas, depois de preparar o terreno, eu fiz a revelação e fui muito bem acolhida pela comunidade de modo geral".
O processo eleitoral foi realizado antes do Carnaval. Antonella e Torquato Castro Jr venceram a chapa formada pelos professores Ivanildo Figueiredo e Humberto Carneiro. "Fomos eleitos nos três segmentos. Nos professores foi mais apertado, um voto só de diferença. Mas, nós ganhamos assim mesmo. Com os alunos tivemos mais que o dobro e no corpo funcional foi quase quatro vezes do que a chapa concorrente", explicou.
Antonella Galindo concorreu na chapa do professor Torquato Castro Jr. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Inspiração
Questionada sobre ser considerada uma inspiração, Antonella Galindo pondera. "Eu acho que sim, eu acho que, assim, querendo ou não, eu termino sendo. Acredito que qualquer mulher que ocupe esses espaços vira referência importante porque são os espaços que as mulheres foram conquistando ao longo do tempo. Alguns lugares começam a ver certa normalização dessa presença feminina, na medida em que mais e mais mulheres os ocupam. No meu caso, pela minha peculiaridade de ser uma mulher trans, termina sendo uma inspiração tanto pra mulheres de cisgênero como para mulheres transgênero", aponta.
A docente ressalta que espera que as mulheres cheguem cada vez mais longe. "Espero que a gente chegue mais adiante, que mulheres, de modo geral, ou mulheres trans, em particular, não precisem fazer muito mais do que seria necessário para conquistarem esses espaços porque parece que, historicamente, isso já acontece com a mulher no sentido de que a mulher tem que mostrar, às vezes, ser muito mais competente que um homem pra ocupar um determinado espaço. Quanto mais nós pudermos normalizar essa presença isso vai deixar de ser notícia, inclusive, vamos poder ter na sociedade mais igualitária mesmo".