Lutar por um ideal, principalmente, quando de trata de política, nunca foi e não será fácil. Uma classe dominada por grupos que se perpassam no poder no Brasil, os obstáculos se tornam ainda maiores para quem pretende chegar lá. Em Pernambuco, na eleição de 2018, cinco mulheres decidiram enfrentar essas dificuldades e se uniram na tentativa de propor um projeto polêmico, mas inovador e que faz sentido: conquistar um mandato coletivo na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) pelo PSOL.
A advogada trans Robeyoncé Lima, 29 anos; a ambulante Jô Cavalcanti, 36 anos; a produtora audiovisual Carol Vergolino, 39 anos; a estudante de Letras Joelma Carla, 20 anos; e a professora Kátia Cunha, 43 anos, possuem perfis bem diferentes, mas um mesmo propósito e ousaram no estado ao lançarem o projeto JUNTAS e, em pouco tempo, elas vêm ganhando cada vez mais espaço e reconhecimento. O grupo recebeu a equipe do LeiaJá onde, entusiasmadas, falaram sobre como funcionará o mandato coletivo, caso cheguem lá, objetivos, planos e, acima de tudo, o desejo que garantem ter de contribuirem com a melhoria da qualidade de vida dos pernambucanos por meio da política.
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Como a urna não permite um registro único no qual apareça a foto das cinco, apenas uma teve que ser escolhida para representar todas nas urnas em outubro. Após análise e acordo entre elas, a escolhida foi Jô Cavalcanti. Será a foto dela que estará no dia da eleição, mas o compromisso firmado foi o seguinte: caso vençam a disputa eleitoral, qualquer decisão será realizada somente com o aval de todas, ou seja, um mandato coletivo.
As candidatas a codeputadas lamentam o fato de que, em pleno 2018, o sistema eleitoral exija uma candidatura individual. “A gente sabe que, infelizmente, nosso sistema eleitoral exige uma candidatura personalíssima, então essa foi a forma que a gente encontrou de trazer essa proposta. Estamos unidas, não estamos separadas uma da outra, não são votos diferentes, não são candidaturas diferentes, a gente foca muito nisso para os eleitores porque vamos juntas. Nessa ideia de coletividade, de junção, a gente foca para que as pessoas não tenham dúvidas de que a foto de Jô representa a Juntas”, enfatizou Robeyoncé.
A dúvida que fica para muitos é se isso é permitido por lei. Robeyoncé explica que na legislação não existe nada explícito em relação a isso. “Quando não há nada explícito ou proibindo, a gente entende que pode. Até então, só é proibido o que a lei diz explicitamente. Em Alto Paraíso, em Goiás, há um vereador que trabalha em um projeto coletivo, em Minas Gerais também. Caso haja obstáculos jurídicos, caso o tribunal venha a implicar de alguma forma, a gente pode apresentar esse casos onde não há nenhum empecilho legal”, ressaltou a advogada.
Um dos principais objetivos do grupo é tema preocupante e já bastante discutido na sociedade: a inserção das mulheres na política. Segundo a Juntas, as mulheres são 52% da população brasileira e só ocupam 10% das cadeiras legislativas, atrás da Arábia Saudita, Iraque e da Síria. Na Alepe, mais especificamente, apenas seis deputadas ocupam a tribuna com 43 deputados.
As ativistas acreditam que só ocupando esses espaços políticos e institucionais de decisão é que vão conseguir transformar a sociedade a partir do olhar da mulher. O mandato também irá visar a luta pelos direitos das classes minoritárias como o movimento LGBT, negros, sem-teto e outros segmentos menos favorecidos na sociedade.
O recado final deixado é o de esperança em uma renovação política. A Juntas ressaltam que acreditam em algo novo diante de “uma política velha fadada ao fracasso”. Também se mostram otimistas por ver o ânimo das pessoas e garantem que a vitória já foi conquistada independente do resultado de outubro porque afirmam que, de alguma forma, mostraram a possibilidade de algo diferente. Acham que, do modo delas, uma revolução foi feita.
Elas ainda pediram a todos que torcem, para o mandato coletivo chegar na Alepe e mudar a atual estrutura vigente, façam uma reflexão no sentido de que cada um esteja consciente de seu protagonismo político dentro da sociedade. “Sim, é possível mudar, sim, é possível mudar”, reiteraram no final da entrevista em um grito coletivo.
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Conheça as componentes do Juntas
Jô Cavalcanti, ambulante – Trabalhadora do comércio informal por escolha própria há seis anos. A decisão foi tomada por não achar justo o sistema patronal. Hoje, está na frente da luta dos ambulantes e também é integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Acredita que as pessoas que compõem os dois segmentos são criminalizadas e que a pauta do trabalho e da moradia não é respeitada. Morou na comunidade dos Coelhos, na área central do Recife, e contou que viu de perto o que é morar na beira da maré. Jô luta por representatividade. “Porque não tem ninguém que fale pelo comerciante informal e lá dentro [Alepe] não tem ninguém que veja a pauta da moradia como uma pauta humana. É tanta gente sem casa e tanta casa sem gente e, por isso que eu venho nesse projeto coletivo, horizontal porque eu acredito que um sonho só a gente não consegue nada, mas um sonho coletivo a gente pode conseguir muita coisa”.
Kátia Cunha, professora – Defensora da luta da classe dos professores, em 2017, ela teve uma votação expressiva quando pleiteou o comando do Sindicato dos Profissionais de Educação em Pernambuco ao entender que o espaço precisava ser oxigenada por ter, há 27 anos, a mesma força política. Kátia também preside o diretório municipal do PSOL de Igarassu, no litoral norte do estado. Ela afirmou que a Juntas é formada por mulheres determinadas e com muita vontade de fazer a política realmente fazer dentro do estado de Pernambuco. “Resolvi emprestar meu corpo, meu nome, minha cara para bater”, ressaltou.
Robeyoncé Lima, advogada – Nascida e criada na periferia do Recife, na comunidade do Alto da Santa Terezinha, ela é a primeira advogada trans em Pernambuco. Apaixonada por dança e técnica administrativa na Universidade Federal de Pernambuco, sua militância iniciou no movimento estudantil. Também é componente das comissões de Direito da Família e de Diversidade Sexual e de Gênero. Robe, como é mais conhecida, acredita em um mundo mais justo. “Quando eu me formo e me torno a primeira advogada trans em Pernambuco, eu trago essa militância para fora da faculdade. A gente tenta participar nesse sentido para fazer um mundo mais justo de alguma forma. Estou nessa questão da política por ter consciência do ser político que a gente é, da capacidade de renovar e inovar a política”.
Carol Vergolino, produtora audiovisual – Acredita que o cinema e a TV são “arma de luta” em prol da sociedade. É integrante do movimento Partida, que tem como foco a inserção de mais mulheres no poder público. Carol também luta por muitos direitos. “A gente acredita que a retomada da democracia tem que ser a partir do feminismo. Quando a mulher puder andar na rua sem medo, puder deixar na creche, quando ela parar de chorar pelos filhos mortos, o mundo vai ser melhor não só para as mulheres, mas para todo mundo”.
Joelma Carla, estudante de Letras – Se candidatou ao cargo de vereadora do município de Surubim, aos 18 anos, por acreditar que faltava representatividade na Casa. Estudante de Letras, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, e aluna de um curso técnico de biblioteconomia, ela acredita que esse é o espaço que a juventude tem que estar. “Temos que ocupar todos os espaços necessários e construir essa política pública da juventude e estamos aqui para isso: uma construção juntas”.