Os patrocinadores do time masculino do Corinthians sabem das ameaças de boicote por parte dos torcedores do time após a contratação de Cuca para o lugar de Fernando Lázaro, na semana passada. Mesmo assim, eles preferiram não se manifestar no momento, adotando o silêncio como resposta às manifestações de torcedores contra o treinador.
O técnico foi condenado pela Justiça suíça por estupro em caso ocorrido em 1987, na cidade de Berna. Em sua versão, declarou ser inocente e comentou que se lembrava vagamente do que se passou naquele quarto, quando estava com outros companheiros do Grêmio, diante de uma menina de 13 anos.
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Apenas dois dos nove patrocinadores que estampam suas marcas no uniforme do time masculino do Corinthians, incluindo a gigante americana Nike, fornecedora de material esportivo da equipe há 20 anos, se posicionaram sobre a escolha da diretoria por Cuca: Banco BMG e a Ale, distribuidora de combustíveis.
O BMG, por meio de publicação nas redes sociais, demonstrou apoio à luta feminina. "O Banco BMG reitera que não compactua com atos violentos e, acima de tudo, respeita, preza e luta pela igualdade das mulheres", informou o banco, que tem contrato com o clube até dezembro de 2025.
A instituição financeira não acenou com a possibilidade de romper seu acordo comercial com o clube, bem como a Ale, que se limitou a informar que "mantém um rigoroso programa de compliance e é comprometida em operar segundo fortes princípios éticos". Na mesma linha do BMG, também admitiu que "não compactua com qualquer tipo de violência e preza para que seus colaboradores, clientes, fornecedores e parceiros sigam dentro desses mesmos princípios".
Já Nike, Neo Química, que dá nome à arena corintiana, Pixbet, Cartão de Todos, Spani Atacadista, UniCesumar e Lukma permaneceram em silêncio sobre o caso Cuca. O Estadão procurou todas as empresas por mensagens, ligações e e-mails. Em caso de retorno, as manifestações do parceiros corintianos serão atualizadas na reportagem.
PROTESTOS EM SÉRIE
Nos últimos dias, houve protestos de todos os tipos e de mais de um grupo de corintianos contra Cuca e sua permanência no clube. Foram manifestações nas redes sociais e presenciais também. Na sexta-feira, data da apresentação do treinador, coletivos de torcedores, a maioria deles compostos por mulheres, mostraram indignação do lado de fora do CT Joaquim Grava enquanto, no interior do CT, o técnico se explicava sobre a condenação relacionada ao caso de violência sexual na Suíça.
Uma delas, Luciana, contou que uma amiga, vítima de abuso infantil, não teve forças para se manifestar porque o caso de Berna gerou gatilhos nela. "Duílio e patrocinadores, o que é 'respeito às minas' para vocês"? questionou Luciana. "Respeito às minas não é fazer campanha no Dia da Mulher, Dia das Mães, levar mulher à arena e fazer uniforme para mulher comprar".
Alguns grupos seguem pressionando o clube e ameaçam boicote às empresas que patrocinam o time caso o contrato de Cuca não seja rescindido. O movimento 'Toda Poderosa Corinthiana', por exemplo, propôs um boicote à Nike. "Se é marketing para venda, saiba que não mais consumiremos artigos de uma campanha falida, mentirosa e hipócrita. O mundo do futebol está condenando estupradores e justamente o Corinthians, por causa de uma gestão incompetente, segue na contramão da vanguarda progressista", protestou o grupo de torcedoras.
O time feminino do Corinthians se manifestou sobre o caso durante a partida de estreia do treinador, no fim de semana, contra o Goiás. "Respeita as minas" é uma bandeira levantada pelo clube contra qualquer desrespeito às mulheres.
O Corinthians arrecadou R$ 107 milhões com patrocínios em 2022. Neste ano, projeta faturar R$ 146 milhões. É uma fatia importante de suas receitas durante as temporadas. Vale lembrar que a seleção brasileira viveu situação parecida com seus patrocinadores quando o presidente da CBF, Rogério Caboclo, foi acusado de assédio moral e sexual contra uma colaboradora da entidade. Ele foi afastado do cargo.
A ESCOLHA POR CUCA
Em 25 anos como técnico, Cuca já comandou diversos clubes, incluindo os rivais do Corinthians - Palmeiras, São Paulo e Santos - mais de uma vez. No Santos e no Atlético Mineiro, enfrentou pressão em razão de seu envolvimento no caso de violência sexual a uma menor idade, de 13 anos, na Suíça, mas nunca como agora.
Isso porque o Corinthians tem histórico importante de movimentos sociais, como a Democracia Corinthiana e movimentos que apoiam a luta feminina, caso do "Respeita as minas", criado em 2018 com o objetivo de sensibilizar a sociedade para o combate ao assédio sexual e a violência contra a mulher. Além disso, existe uma forte presença feminina nas arquibancadas. Segundo pesquisa do Ibope Repucom, a torcida é formada em sua maioria por mulheres (53%). E a sociedade tem cobrado com mais ênfase medidas contra o machismo e a misoginia.
Por que, então, Duílio Monteiro Alves decidiu optar por Cuca para substituir Fernando Lázaro? O presidente do Corinthians sempre aprovou o trabalho do técnico, campeão brasileiro no arquirrival Palmeiras em 2016, mas considerava que ele jamais poderia treinar o time alvinegro pela condenação por participação no estupro a menina de 13 anos. Isso mudou após, segundo ele próprio, uma apuração dos fatos.
Antes de tomar sua decisão, Duílio conversou com Cuca e foi convencido pelo técnico, que se declarou inocente e usou como argumento o fato de a vítima não ter reconhecido o então meio-campista do Grêmio como um de seus agressores, versão que o advogado da vítima contestou. Ele também argumentou que o caso foi julgado à revelia, já que Cuca estava no Brasil enquanto o Corte tomava sua decisão na Suíça. A sentença foi de 15 anos de prisão e US$ 8 mil em multa. Mas ele nunca cumpriu a pena estipulada para o crime, que prescreveu em 2004.
O dirigente disse ter consultado os departamentos jurídico, de marketing e de compliance do clube. Também afirmou ter conversado com a diretora do futebol feminino, Cris Gambaré. Todos, segundo Duílio, avalizaram a contratação de Cuca.
DANOS À IMAGEM
A diretoria do Corinthians crê na inocência do técnico e destaca que ele, então jogador do Grêmio, foi julgado à revelia, isto é, sem comparecer ao julgamento na Suíça. Para a diretoria corintiana, o fato de Cuca comandar o Corinthians não mancha a história de lutas sociais do clube. Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa especializada em marketing esportivo e que faz captação de contratos envolvendo marcas com clubes e atletas, discorda.
"Vejo que existe, sim, um dano momentâneo à imagem do clube, e por isso é tão importante que a instituição sempre se posicione sobre atitudes de gestão que são tomadas, ainda mais quando tocam em assuntos que a sociedade em geral tem lutado para combater há tantos anos", explica.
"As instituições desportivas possuem uma força grande de comunicação, de engajamento, tudo isto foi construído com o amor dos fãs e nada como devolver para eles em forma de apoio iniciativas que tragam um mundo melhor a todos."