O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto serão julgados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir desta quinta-feira (22). A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) pede a inelegibilidade dos então candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República, respectivamente, nas eleições de 2022. Para entender como o acontecimento pode influenciar no cenário político brasileiro, o LeiaJá conversou com cientistas políticos, que explicaram alguns detalhes acerca das possíveis consequências do resultado das sessões.
Cenário pouco otimista
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O cientista político Vanuccio Pimentel explica, a princípio, que as sessões do julgamento são para analisar e decidir o que será feito com os réus. “Ou seja, os argumentos da defesa e do Ministério Público Eleitoral já foram apresentados. O que vai ocorrer agora é exatamente a análise do mérito de tudo isso. Então, provavelmente, a defesa dele já entregou toda a tese de defesa para o julgamento. O próprio Bolsonaro falou que tinha expectativas negativas em relação ao processo”, elucida Pimentel.
De acordo com o professor e cientista político, Augusto Teixeira, a perspectiva da situação não se apresenta favorável ao ex-presidente, tendo em vista o relatório apresentado pelo ministro Benedito Gonçalves sobre o caso, porém ele pondera sobre o destino de Braga Neto.
“Desde junho o relatório feito pelo ministro Benedito Gonçalves sobre o caso já aponta pela inelegibilidade do ex-presidente Bolsonaro mas com a não culpabilidade do vice-presidente Braga Neto. Isso de certa forma permite fazer com que a corte, de um lado, tenha uma sentença completamente desfavorável para o ex-presidente Bolsonaro, deixando-o inelegível por cerca de oito anos, mas preservando, por outro lado, um potencial sucessor do bolsonarismo na figura de Braga Neto”, analisa Teixeira.
Ministro Benedito Gonçalves, relator do julgamento. Foto: Antonio Augusto/TSE
Perspectiva do futuro da direita
Ao analisar o possível desdobramento da não culpabilidade de Braga Neto, surgem questões acerca do quadro que pode ser desenhado para as eleições de 2026. “Supondo que ele possa ser considerado inelegível, isso muda muito o cenário porque quem seria agora a pessoa que conseguiria, eleitoralmente, substituir Bolsonaro? Ele até pode continuar como liderança, como cabo eleitoral. Mas ele não poderia se candidatar. E aí quem seria esse substituto ou substituta?”, aponta Vanuccio Pimentel.
Ainda sobre a presença e força política, Pimentel afirma que o poder de fala do ex-presidente pode se tornar cada vez menor, já que ele não usufrui mais do foro privilegiado do qual aproveitou nos últimos 30 anos.
“Ele tem tido uma postura muito cautelosa em falar em público. Então como é que ele mobilizaria esse eleitorado mais radical dele se ele não pode, ou pelo menos, ele não se sente seguro de falar tudo que ele falava antes, por exemplo? Então aquela base mais radical que era mobilizada pela fala radical do presidente não vai encontrar mais esse Bolsonaro disponível. Porque a partir de agora qualquer coisa que ele fale ele vai responder na justiça comum”, complementa.
Walter Braga Neto também será julgado. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Tentativa de defesa
O julgamento dos ex-candidatos se sustenta a partir da denúncia montada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, durante reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022. “Na ocasião, Bolsonaro teve um discurso contrário à questão do sistema eleitoral no Brasil, em particular sobre a urna eletrônica, atacando também a Justiça Eleitoral e certos ministros do Supremo, em particular. Somado a essa situação pesa contra o ex-presidente Bolsonaro o fato de que ele teria utilizado o seu cargo como presidente e suas prerrogativas para realizar essa conduta indevida”, explica Augusto Teixeira.
A defesa de Bolsonaro alega que ele estaria fazendo usufruto de suas liberdades, além da reunião com os embaixadores constar na agenda oficial do então presidente. Segundo os autos do TSE, a defesa afirma que a acusação usou da má-fé de determinados setores da imprensa, levando a cobertura da reunião a tratar “uma proposta de aprimoramento do processo democrático como se se tratasse de ataque direto à democracia”.
Augusto Teixeira rebate a argumentação, apontando três fatores.
“Primeiro porque ele já havia sido potencialmente informado sobre os riscos e potencial ilegalidade dessa ação;
Segundo porque o próprio presidente utilizava de forma muito clara uma estratégia de esticar a corda e em particular no seu tensionamento para com a justiça inclusive a Justiça Eleitoral;
Terceiro porque a ação do presidente de forma muito clara colocava não apenas um questionamento sobre a credibilidade e a legitimidade do nosso sistema eleitoral, como amplificava esse potencial descrédito internacionalmente com a visita oficial e a participação oficial de diversos embaixadores. Ou seja, era um comunicado para a comunidade internacional de que as eleições do Brasil não eram críveis ou limpas, o que de certa forma é algo que um presidente do exercício de seu cargo não poderia fazer.”
Ministros do TSE. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Símbolo de perseguição política
Na análise política do que pode acontecer após o resultado do julgamento, Teixeira ainda analisa que a declaração de Bolsonaro de sentir que está “em maus lençóis”, e sua potencial inelegibilidade decretada podem ser ferramentas utilizadas a seu favor para aumentar e fortalecer seu número de apoiadores.
“Sem a chance de concorrer a cargo eletivo, o ex-presidente Bolsonaro tem apenas a sua capacidade simbólica como elemento de aglutinação de um movimento político ao seu redor, mas sem necessariamente recursos de poder materiais como cargos, dinheiro entre outras coisas. Por outro lado, a sua potencial condenação reforça a narrativa bolsonarista de perseguição da justiça e de anti-sistema ao mostrar que a justiça estaria em conluio com a sua oposição à época, agora o governo PT e outros partidos, para retirá-lo do páreo”, finaliza.
Ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Foto: TSE
Confira o passo a passo do julgamento de Bolsonaro e Braga Neto no TSE:
1) O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, deverá iniciar o julgamento com a leitura do relatório da Aije. O relatório contém o resumo da tramitação da ação na Corte, informando as diligências solicitadas, os depoimentos tomados, bem como as perícias e as providências requeridas pelo relator na etapa de instrução processual.
2) O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, concederá a palavra, da tribuna, aos advogados de acusação e aos de defesa das partes envolvidas na ação, nessa ordem. A sustentação oral de cada uma das partes é de 15 minutos.
3) Em seguida, será dada pelo presidente a palavra ao representante do Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral) para que emita o parecer do órgão sobre a ação.
4) Finalizadas essas etapas, o ministro Benedito Gonçalves apresentará o seu voto na ação.
5) Na sequência, votam os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, o ministro Nunes Marques e, por último, o presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes.