Seis dias após ser eleito presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontra hoje um cenário bem diferente daquele previsto por líderes da Câmara e do Senado. Embora o resultado das urnas indique que o Congresso terá maioria conservadora, o pragmatismo da política dá sinais de que cargos e verbas do Orçamento atuarão como ímã para Lula atrair aliados.
Até mesmo partidos do Centrão, que compõem a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), têm mostrado disposição de diálogo com o novo governo. Dirigentes de igrejas evangélicas que difundiram boatos sobre fechamento de templos, em caso de vitória do petista, também prometem agora orar por ele.
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"Deus tocou no coração da bancada evangélica mais rapidamente que no do Centrão", ironizou o deputado Fausto Pinato (PP-SP), um dos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, ao comentar declarações do bispo Edir Macedo e do deputado Cezinha de Madureira (PSD-MG), que acenaram para Lula.
No Twitter, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse dispensar o perdão de Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. "Ele é quem precisa pedir perdão a Deus pelas mentiras que propagou, a indução de milhões de pessoas a acreditarem em barbaridades sobre Lula e sobre o PT, usando a igreja e seus meios de comunicação para isso", escreveu ontem a deputada.
Após a crítica, Macedo publicou novo vídeo nas redes sociais, no qual afirmou não ser "burro" para ter alguma coisa contra alguém. "Eu não perdoei Lula, não perdoei ninguém, não tenho nada contra o Lula", comentou.
Ao Estadão, o deputado Cezinha, da Assembleia de Deus de Madureira, disse que o interesse em conversar com Lula não significa traição a Bolsonaro. "É óbvio que nenhuma pauta aberrante vai passar, como liberação de drogas e aborto. Mas estamos dispostos a trabalhar pautas que ajudem o Brasil", destacou o deputado, que atuou na campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador eleito de São Paulo.
CONGRESSO. Todas as tratativas no Congresso passam agora não apenas por indicações para a composição do Ministério como pelas eleições para a escolha da cúpula da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2023. Lula é considerado cabo eleitoral de peso, mesmo que seu apoio não seja explícito.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negocia o respaldo do governo para ser reconduzido ao cargo, com a manutenção do orçamento secreto. Em troca, promete facilitar a vida de Lula em votações de interesse do Planalto.
Na lista está uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá ao governo a licença necessária para gastar e tirar do papel despesas que não cabem no orçamento, como o aumento do Auxílio Brasil - a ser rebatizado de Bolsa Família - de R$ 600. No Senado, é provável que o PT apoie o projeto de reeleição do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Logo após as eleições, Lula e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), enviaram emissários para conversar com Lira, como o deputado Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Geller se aliou a Lula ainda no primeiro turno, embora a maior parte do agro tenha declarado voto em Bolsonaro.
Na conversa com Lira, o deputado - que comandou o Ministério da Agricultura sob Dilma Rousseff e não foi reeleito - sondou a possibilidade de parceria com o novo governo. Ala do PP defende a indicação de um ministro para a equipe de Lula. Geller é cotado para voltar a ocupar a Agricultura.
O presidente eleito vai se reunir com Lira na próxima terça-feira, em Brasília. "Queremos discutir as prioridades do novo governo no Congresso. As portas do diálogo estão escancaradas", disse o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos coordenadores da campanha de Lula. A equipe petista pretende construir pontes com a maioria dos partidos e representantes da sociedade civil, isolando apenas a extrema-direita.
Para o deputado Claudio Cajado (BA), presidente interino do PP, uma definição sobre o apoio ou não a Lula só ocorrerá após a "ressaca eleitoral". Ele observou, no entanto, que o principal interesse do partido é o apoio à recondução de Lira ao comando da Câmara. "Temos o Orçamento para votar, que, acredito, seja algo importante para o governo que vai se iniciar a partir de janeiro", disse Cajado. "Essas conversas têm de ocorrer de forma natural, pensando no País."
Na primeira reunião da equipe de transição, anteontem, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, usou gravata vermelha, a cor do PT. "Gravata vermelha combina com qualquer roupa", constatou o deputado Rui Falcão (PT-SP), em tom de brincadeira. Guimarães, rindo, disse que a "força das urnas" está falando mais alto, mesmo no vestuário.
Até o PL de Bolsonaro abriga parlamentares que buscam diálogo com Lula. Embora a sigla tenha feito a maior bancada da Câmara, com 99 deputados, pelo menos 35 deles são nomes distantes do bolsonarismo. É este o número de deputados que o PT espera conquistar para apoio a seus projetos.
A possível dissidência, porém, já provoca reações. "Nós temos um alinhamento maior com Bolsonaro e queremos demonstrar a nossa intenção de formar o maior partido de oposição da história", avisou o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). "Aqueles que tiverem intenção de debandar e de ser base de apoio do Lula devem ser expulsos do partido", completou Jordy, que integra o Centrão.
DOSSIÊ. Enquanto parte do mundo político se movimenta para se alinhar ao governo Lula, a extrema-direita bolsonarista continua a apostar na agitação para contestar o resultado da eleição. Live realizada ontem por um canal argentino divulgou dossiê apócrifo sobre supostas fraudes na disputa. A apresentação do conteúdo repleto de informações falsas foi publicada pelo canal La Derecha Diário, controlado por Fernando Cerimedo, apoiador da família Bolsonaro. O principal argumento é de que cinco modelos de urnas usadas este ano registraram mais votos para Lula do que para Bolsonaro.
CONTAS. Em outubro, o núcleo duro do Centrão, formado por PP, PL e Republicanos, fez 188 deputados. Lira espera, porém, contar com a adesão de União Brasil, PSD, PSDB e Podemos para formar um bloco de apoio à sua reeleição ao comando da Câmara. Com isso, o grupo ficaria com 314 parlamentares, que escolheriam as principais comissões na Casa.
A coligação de apoio a Lula, por sua vez, conquistou 121 cadeiras. Pode chegar a 223, se atrair totalmente MDB, PDT e, ainda, PSD, sigla que também consta dos cálculos do Centrão. Já o União Brasil é um partido em disputa tanto pelo "Centrão raiz" como por tradicionais aliados de Lula.
Ao que tudo indica, a oposição radical ao novo governo, neste primeiro momento, ficará mesmo com parlamentares mais ideológicos, que se dizem defensores da família e do combate à corrupção. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.