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Na última sexta-feira (23), o YouTube derrubou quatro vídeos em que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), recomenda o uso de hidroxicloroquina ou ivermectina como parte do tratamento precoce contra o coronavírus. Os remédios não são comprovados como eficazes pela ciência, e, assim, o conteúdo exposto na plataforma viola a política de desinformação médica sobre a Covid-19.

Os vídeos fazem parte das transmissões semanais que Bolsonaro costuma fazer ao vivo às quintas-feiras, nas redes sociais. Três deles foram feitos em 2020, e o último em fevereiro deste ano. Na última segunda-feira (19), outro vídeo do presidente havia sido removido por conter desinformação sobre a pandemia.

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O YouTube atualizou a política de diretrizes da comunidade neste mês. Caso seja cometida a infração, o responsável pela postagem recebe uma notificação para conhecer melhor as regras da plataforma. De acordo com a gerente de políticas públicas do YouTube no Brasil, Alana Rizzo, 98% dos criadores que recebem o alerta, não cometem novas violações.

Caso o primeiro aviso não seja respeitado, existem outros processos de diálogo com o criador de conteúdo. Na segunda infração, o responsável recebe um aviso, também conhecido como "strike", e passa a ficar impossibilitado de postar vídeos por sete dias. Na terceira violação, a sanção é a mesma, mas por um período de 14 dias. Caso, o criador venha a cometer outra infração no período de 90 dias, ele recebe um aviso final e terá o canal removido do YouTube de forma permanente.

A nova política se enquadra, em partes, para os vídeos que já estavam na plataforma. Segundo Alana, as regras são aplicadas a todos os conteúdos, inclusive aqueles que já estavam em circulação antes da nova atualização. Porém, é oferecido um período de carência, que corresponde a um mês, para que o criador de conteúdo venha a se adaptar com as novas normas. Por isso, os vídeos do presidente foram removidos, mas o canal não sofreu penalidades.

Por Thaiza Mikaella

O Facebook bloqueou por 30 dias a página do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, após "reiteradas violações" da política sobre desinformação relacionada à Covid-19, anunciou neste sábado a empresa.

A medida foi tomada após a remoção de um vídeo publicado por Maduro sobre o Carvativir, mais recente de uma série de remédios sem estudos médicos publicados, que o presidente promoveu como "gotinhas milagrosas" para tratar a doença.

"Removemos um vídeo publicado na página do presidente Nicolás Maduro por violar nossas políticas sobre desinformação relacionada a Covid-19 e que poderia colocar as pessoas em risco", afirmou um porta-voz do Facebook à AFP.

"Seguimos as orientações da Organização Mundial da Saúde, segundo as quais atualmente não existe nenhum medicamento que previna ou cure o vírus. Por conta de reiteradas violações de nossas política, bloqueamos a página por 30 dias, durante os quais a mesma estará disponível no modo leitura".

Já aconteceram outras violações. "Uma mensagem é enviada a todos os administradores da conta, com um aviso sempre que acontece uma violação. Eles estão cientes", afirmou a fonte.

- 'Quem manda no mundo?' -

Maduro já criticou a rede social por censurar seus vídeos relacionados ao Carvativir. "Eles dizem que até que a OMS diga sim eu não posso falar do Carvativir. Quem manda na Venezuela? O dono do Facebook? Quem manda no mundo? O dono do Facebook? Abusadores, Zuckerberg é o nome? É um tremendo abusador", disse Maduro em 2 de fevereiro. O governo venezuelano também já acusou outras redes sociais, como Twitter e Youtube, de censura.

O Facebook afirma que, desde o começo da pandemia, seus sistemas automatizados já eliminaram mais de 12 milhões de publicações consideradas enganosas sobre a Covid-19 ou as vacinas para combater a doença. No mês passado, a plataforma anunciou medidas enérgicas e ajustou suas políticas, regulamentando "anúncios que contenham afirmações enganosas, falsas ou infundadas sobre temas de saúde, incluindo as que asseguram que um produto ou serviço pode oferecer uma prevenção ou imunidade de 100% ou tem capacidade de curar o vírus". Com a colaboração da OMS, ampliou a lista de afirmações sobre as vacinas que foram desmentidas por cientistas e não são bem-vindas em sua plataforma.

Em reunião virtual neste sábado, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, informou o diretor geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, sobre "os avanços dos testes clínicos do Carvativir".

Com 30 milhões de habitantes, a Venezuela acumula mais de 154.000 casos confirmados de Covid-19 e 1.532 mortes, de acordo com os números oficiais, que são questionados por organizações como a Human Rights Watch por considerar que ocultam uma realidade muito pior.

A decisão do Facebook de bloquear o conteúdo informativo na Austrália levanta temores de que a desinformação e teorias da conspiração se amparem na rede social no país, na ausência de fontes confiáveis.

A partir desta quinta-feira (18), os australianos não podem postar links para artigos de notícias, ou ver as páginas do Facebook de veículos de imprensa.

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Paralelamente, as fontes de notícias australianas desapareceram da plataforma em todo mundo.

O gigante das redes sociais respondeu, assim, aos novos e rígidos regulamentos que o obrigarão a pagar, como o Google, pelas notícias que aparecem em suas plataformas.

Várias agências governamentais importantes, que emitem alertas de emergência sobre a covid-19, incêndios florestais, inundações e ciclones, foram inicialmente incluídas no apagão de notícias, antes que o Facebook começasse a restabelecê-las.

Outras páginas australianas no Facebook também ficaram em branco, incluindo as de instituições de caridade contra o câncer, ou sem-teto, bem como as de grandes empresas, ou mesmo satíricas.

No entanto, o bloqueio não afetou muitas páginas de desinformação e teorias da conspiração, embora frequentemente publiquem artigos sobre assuntos atuais.

Entre elas, estão várias páginas identificadas pela equipe de verificação de dados da AFP pelo compartilhamento de desinformação que circula entre dezenas de milhares de usuários.

"Ao restringir notícias independentes e produzidas por profissionais na Austrália, o Facebook está permitindo a promoção de teorias da conspiração, desinformação, notícias falsas e malucas", disse Marcus Strom, representante da Media, Entertainment and Arts Alliance.

"Este movimento irresponsável do Facebook vai encorajar a disseminação de notícias falsas, o que é especialmente perigoso durante a pandemia de covid e é uma traição ao seu público australiano", acrescentou.

Um porta-voz da rede social declarou que "o compromisso da empresa em combater a desinformação no Facebook não mudou".

"Estamos direcionando as pessoas para informações confiáveis sobre saúde e notificando-as sobre novas atualizações por meio de nosso Centro de Informações a Covid-19", de acordo com a empresa.

A AFP é uma das organizações que colabora com o programa de verificação de dados do Facebook.

A rede social paga para utilizar, na sua plataforma e no Instagram, as verificações efetuadas por cerca de 60 organizações, entre as quais se encontram meios de comunicação especializados e verificadores.

O blecaute de notícias no Facebook ocorre alguns dias antes da implementação da vacina anticovid na Austrália e preocupa o fato de que as mensagens oficiais sobre saúde estejam sendo abafadas pelas dos antivacinas.

"Eu diria ao Facebook para pensar melhor. Podem estar nisso pelo dinheiro, mas o restante de nós está nisso por segurança, proteção e responsabilidade", disse o ministro da Saúde, Greg Hunt.

O Facebook afirma que gera centenas de milhões de dólares em receitas para a mídia australiana por meio de cliques.

Antes dessa polêmica, a rede social já estava sob pressão por não fazer o suficiente para conter mensagens de desinformação e ódio.

No mês passado, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse que a empresa estava tentando "baixar a temperatura" em sua plataforma, reduzindo conversas políticas e inflamatórias que há muito hospeda.

A rede social também decidiu banir grupos que compartilham afirmações não verificadas sobre a covid-19 e destacar conselhos de órgãos oficiais confiáveis, que permanecem acessíveis.

Mas, de acordo com a organização Reset Australia, que visa a combater as ameaças digitais à democracia, o apagão de notícias australiano revela "quão pouco a plataforma se preocupa em deter a desinformação".

O Twitter anunciou, na última segunda-feira (25), uma nova iniciativa chamada "Birdwatch" para inscrever usuários na denúncia de desinformação na plataforma.

O Birdwatch será operado separadamente do Twitter e permitirá aos usuários identificar tuítes que podem conter informações falsas ou enganosas, explicou a rede social sobre seu novo esforço para remover conteúdo falso ou prejudicial.

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O projeto foi anunciado em um momento em que o Twitter e outras redes sociais estão sob pressão por não terem sido capazes de conter manipulação e desinformação sobre as eleições nos Estados Unidos, a pandemia da covid-19 e outros tópicos.

A medida visa "ampliar o leque de vozes que fazem parte da luta contra esse problema", disse o vice-presidente do Twitter, Keith Coleman, em uma postagem no blog.

"É por isso que hoje apresentamos o Birdwatch, um programa piloto nos Estados Unidos para uma abordagem do problema de informações enganosas conduzidas pela comunidade."

O Birdwatch permite que os usuários identifiquem informações em tuítes que eles acreditam ser enganosos e escrevam notas que fornecem contexto, explicou Coleman.

"Eventualmente, essas notas serão visíveis a todos os usuários quando houver um consenso de uma parte boa e diversa dos contribuidores."

O Twitter não forneceu maiores detalhes, mas acredita-se que o Birdwatch funcionará no estilo da Wikipedia, onde as informações são verificadas por várias fontes.

"Estamos procurando pessoas para testá-lo nos Estados Unidos", disse o Twitter em um tuíte. "Usaremos as notas e seus comentários para moldar este programa e aprender como atingir nosso objetivo de fazer com que a comunidade do Twitter decida quando e que contexto é adicionado a um tuíte."

A rede social bloqueou, após o assalto ao Capitólio em 6 de janeiro, a conta do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, acusado de insuflar a violência.

As imagens de uma embalagem da versão falsa da vacina CoronaVac, publicadas nas redes sociais, viraram caso de polícia no Rio de Janeiro. Após abertura de inquérito, as equipes da Delegacia do Consumidor (Decon) da Polícia Civil fluminense estiveram no Mercado de Madureira, nesta quarta-feira (23), para checar se o antiviral falsificado estava sendo comercializado pelos ambulantes que atuam no local.

O caso ganhou repercussão após perfis de supostos frequentadores do Mercado de Madureira alegarem que camelôs do local negociavam o produto. O autor da publicação, Jones MFJay, afirma que "no meu país, Madureira, os camelôs já estão vendendo a vacina para combater o Covid-19. Um galo e se quiser sair com ela aplicada, paga 60 merréis", citou no Facebook. Já outro membro da rede social, Fábio Tarta, comenta. "Lá na Passarela do Império, né meu padrinho?", e MFJay responde com o afirmativo "isso aí!".

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A ação da Decon constatou que não há venda do suposto antiviral no centro comercial carioca. De acordo com os agentes, é possível que a informação disseminada pela internet seja falsa. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota à imprensa, os casos serão analisados pelo órgão e pelas forças de segurança da União. "Todas as denúncias são investigadas pela Anvisa e pela Polícia Federal. Qualquer comercialização ou aplicação de vacina, fora de pesquisa, de Covid-19 hoje no Brasil é atividade irregular e oriunda de falsificação, pois não há vacinas autorizadas no Brasil até o momento", conclui o comunicado oficial.

Após um fortalecimento de mobilizações anti-científicas, como o movimento antivacina, notícias falsas envolvendo as eleições de diversos países e a chegada da pandemia de Covid-19, plataformas como Facebook, Instagram e YouTube tiveram que rever suas diretrizes para impedir a propagação de mensagens de ódio, entre outros conteúdos que levam a desinformação de seus usuários. Entre elas, o Twitter - uma das redes mais populares do mundo, solidificou sua posição com medidas simples e eficazes que se destacaram ao longo de 2020, por conseguirem alertar seus usuários de forma rápida e eficiente. 

Com ajuda do Twitter Brasil, o LeiaJá reuniu todas as medidas adotadas pela ferramenta durante este ano. Elas tentam proteger os usuários, principalmente, a respeito da pandemia, além de fornecer o contexto do que está “trendando” na rede.

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As primeiras medidas

No dia 29 de janeiro de  2020, a rede anunciou um prompt de pesquisa em diversos países para que, ao procurar por termos relacionados ao novo coronavírus, os usuários da plataforma fossem levados a informações de fontes oficiais. Isso porque, de acordo com o próprio Twitter, durante as quatro primeiras semanas do ano, mais de 15 milhões de tuítes com o tema foram compartilhados na plataforma.

No mês seguinte, a Política de Mídia Sintética e Manipulada, desenvolvida após um processo de consulta pública, foi criada para fazer frente aos chamados deepfakes e a mídias distorcidas com o objetivo de enganar as pessoas. Ela permite que o Twitter inclua avisos em publicações contendo mídias com alterações significativas para ajudar as pessoas a entender a sua autenticidade, bem como fornecer contexto adicional.

Covid-19 e informações enganosas

Em março, considerado o início da pandemia no Brasil, a rede atualizou sua estratégia contínua sobre a doença e, dois meses depois, a abordagem a informações enganosas que poderiam piorar os casos do novo coronavírus. Foram estabelecidos três critérios para o controle de conteúdo: se ele traz a afirmação de um fato referente a Covid-19; se esta afirmação é comprovadamente falsa ou enganosa e se a crença nessas informações, conforme apresentadas, levaria a danos. 

Essas publicações não podem ser compartilhadas no Twitter e estão sujeitas a remoção. Contas que violam essa regra repetidamente podem ser, inclusive, suspensas permanentemente. Na época, segundo a plataforma, foram removidos 14.900 tuítes e mais de 4,5 milhões de contas precisaram ser notificadas. Atualmente, houve uma ampliação dos critérios para abranger conteúdos que vão diretamente contra orientações para Covid-19 advindas de fontes oficiais em saúde pública de todo o mundo.

Avisos de conteúdo controverso

Outra coisa que também começou a funcionar esse ano foram os avisos de conteúdos duvidosos. Quando você ou alguém que você segue publica uma informação que não parece ser verdadeira o conteúdo pode receber uma marcação de informação controversa.  

Dependendo da propensão a dano e do tipo de informação enganosa, alertas também podem ser aplicados ao tuíte. Esses avisos informarão às pessoas, antes que elas visualizem o conteúdo publicado, que a informação ali contida é conflitante com as orientações de especialistas em saúde pública.

Os avisos aparecem em três classificações, como informações enganosas, sendo declarações ou afirmações que tenham sido confirmadas como falsas ou errôneas por especialistas no tema em questão; afirmações questionáveis: declarações ou afirmações cuja precisão, veracidade ou credibilidade é genuinamente contestável ou desconhecida; e afirmações não confirmadas - informações (que podem ser verdadeiras ou falsas) que ainda não foram verificadas e confirmadas no momento em que são compartilhadas.

A adição do contexto

Mas nem tudo foi para coibir informações falsas. No segundo semestre, o Twitter adicionou algo importantíssimo em qualquer conversa: contexto. No dia 1º de setembro a plataforma procurou ajudar seus usuários a entender por qual motivo uma palavra estava nos assuntos mais comentados do mundo, ou seja, no Trending Topics.

Para isso, a rede introduziu avisos em tuítes e contas, ou em suas páginas de curadoria (conhecidas como Moments), além de destacar matérias relacionadas ao que está “trendando”. Também é possível ver tuítes fixados, além de descrições que passaram a explicar porque algo está sendo comentado.

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Leia antes de compartilhar 

Por fim, duas grandes adições envolveram a reeducação do próprio usuário. Em outubro, o Twitter passou a incentivar o Retweet com Comentário ao invés de apenas RT, estimulando usuários a debater e refletir sobre o conteúdo que estavam passando para frente. 

A segunda, foi a exibição de aviso em caso de tentativa de dar Retweet sem ler um artigo linkado. A proposta tinha, mais uma vez, a intenção de estimular o usuário a se informar corretamente antes de compartilhar, com intenção de diminuir e, quem sabe, até mesmo acabar com o compartilhamento de Fake News. Se isso será possível, não sabemos, mas as medidas têm tornado, cada vez mais, o Twitter um lugar mais seguro para buscar informações.

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A desinformação, que atingiu níveis inéditos em 2020 especialmente nas redes sociais, pode virar um obstáculo para as futuras campanhas de vacinação contra a Covid-19, em um contexto de crescente desconfiança social a respeito das instituições.

Canalizada via Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp, principalmente, "a desinformação se propagou como nunca", observa Sylvain Delouvée, pesquisador de Psicologia Social na universidade francesa de Rennes-2.

Este ano mostrou ainda o "impacto negativo que o fenômeno pode ter na confiança nas vacinas, nas instituições e nas descobertas científicas em geral", destaca Rory Smith, da ONG de luta contra a desinformação First Draft.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) expressou preocupação desde fevereiro com a desinformação em larga escala a respeito da Covid-19, uma "infodemia" perigosa para a saúde pública, não apenas pelo risco de intoxicação com produtos apresentados como remédios (álcool, água sanitária...), mas também porque pode dissuadir muitos de seguir as recomendações de saúde, como o uso de máscara ou a vacinação.

A pandemia também evidenciou até que ponto as 'fake news' têm "um caráter mundial e transcendem naturalmente idiomas e fronteiras", segundo Smith.

A AFP publicou desde janeiro mais de 2.000 artigos de verificação de informações equivocadas sobre a Covid-19, muitas delas a repeito de uma futura vacina.

Entre as mais populares está a ideia de que a vacina servirá para introduzir chips eletrônicos nos organismos dos indivíduos.

A retórica antivacina também ficou marcada pelos documentários com teorias da conspiração "Plandemic", nos Estados Unidos, e "Hold-Up", na França.

- Grande preocupação da OMS -

Vários estudos mostram a grande porosidade entre a desinformação, as teorias da conspiração e o movimento antivacina.

As ondas de desinformação estão "associadas com uma redução das taxas de vacinação", afirma o pesquisador Steven Wilson, que examinou o impacto das redes sociais em um estudo publicado em outubro no British Medical Journal - Global Health.

Os grupos antivacinas, muito presentes e organizados na internet há vários anos, conseguiram ganhar adeptos durante a pandemia, apoiados em alguns casos por personalidades, com sua capacidade de alcançar o grande público, segundo Wilson.

A situação levou Rachel O'Brien, diretora de vacinação da OMS, a admitir uma "grande preocupação", pois vacinar a população com um antígeno de eficácia comprovada será crucial para começar a superar a pandemia.

Mas as pesquisas mostram até que ponto o fenômeno ressoa em uma parte da sociedade.

De acordo com um estudo da revista britânica Royal Society Open Science até um terço da população de alguns países pode acreditar nas informações falsas que circulam nas redes sociais sobre a Covid-19, o que aumentaria a desconfiança sobre a vacinação.

O Fórum Econômico Mundial publicou este mês um relatório, após uma pesquisa realizada em 15 países, que mostra que 73% dos entrevistados querem ser vacinados. O índice era de 77% em agosto.

- Questão de confiança -

Um ponto em comum nas teorias da conspiração em geral é a afirmação de que "nossas elites mentem", explica Delouvée.

A ideia de que a covid-19 é produto de uma "maquinação" ou "faz parte de um plano das 'elites' para controlar a população mundial" é uma das mais virais nas redes sociais, afirma Smith.

Desta maneira, as declarações oficiais são desacreditadas automaticamente.

A desinformação "se apoia em um auge da desconfiança a respeito de qualquer forma de autoridade institucional, governamental ou científica", observa Delouvée.

Do outro lado, o discurso antivacina se sustenta em questões ainda sem resposta sobre os antígenos até agora anunciados, como sua eficácia - até o momento não detalhada em nenhuma revista científica -, a duração da proteção ou sua disponibilidade nos países mais pobres.

Sem contar que duas das vacinas mais promissoras - a da aliança Pfizer/BioNTech e a da farmacêutica Moderna - são baseadas em uma tecnologia nunca utilizada até agora.

"Quando as pessoas não podem ter acesso a informações confiáveis sobre as vacinas e a desconfiança a respeito dos personagens e instituições relacionadas a estas é elevada, a desinformação preenche o vazio", aponta First Draft.

Por este motivo, muitos cientistas defendem a "transparência como um elemento indispensável para obter a adesão social às futuras vacinas", segundo o professor de Pediatria Daniel Floret, da Autoridade de Saúde Francesa.

Apesar dos esforços do Facebook para combater a desinformação política antes das eleições nos Estados Unidos, anúncios falsos e enganosos continuam a circular devido a falhas técnicas, brechas e o que os críticos chamam de aplicação fraca das próprias políticas do gigante da mídia social.

Essas questões foram destacadas nos últimos dias após a revelação de que informações falsas, já retiradas por verificadores independentes, estavam sendo republicadas, compartilhadas e direcionadas a eleitores específicos, mesmo depois de serem banidas pelo Facebook.

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A empresa reconheceu, nesta segunda-feira (2), que algumas desses postagens proibidas foram republicadas e começou a removê-las após relatos em um artigo do Wall Street Journal citando uma pesquisa do Observatório de Publicidade da Universidade de Nova York.

Alguns dos anúncios - de grupos que apoiam o presidente Donald Trump e com dados falsos sobre o candidato democrata, Joe Biden - foram compartilhados mais de três milhões de vezes no Facebook, segundo Laura Edelson, pesquisadora do grupo NYU.

Às vezes, eles eram espalhados por terceiros, "mas em alguns casos vimos o mesmo grupo republicando o mesmo anúncio", disse Edelson.

Isso aconteceu porque o Facebook desativou alguns anúncios específicos, mas não conseguiu bloquear outros derivados com o mesmo conteúdo.

"O Facebook não vai autorizar um idêntico a circular, mas alguém pode recriá-lo", disse ele.

Para Edelson, isso mostra que o Facebook não é agressivo o suficiente aplicando sua própria política: "Não é tecnicamente difícil impedir que o mesmo conteúdo seja publicado."

A plataforma, por sua vez, anunciou que tinha começado a remover os anúncios republicados após o artigo do Wall Street Journal neste fim de semana.

Essas mensagens estavam sendo divulgadas pelo grupo conservador American Principles Project e continham informações falsas sobre Biden, como a de que ele apoia a organização de extrema-esquerda Antifa ou é a favor de operações de mudança de sexo para crianças.

"Quando um verificador faz uma revisão em um anúncio, nós o marcamos e rebaixamos removendo o status da propaganda, e isso ocorre em todas as avaliações", disse um porta-voz do Facebook à AFP.

"Estamos verificando esses anúncios e tomando medidas contra aqueles que violam nossas regras, enquanto tentamos melhorar a forma de encontrar anúncios semelhantes aos que já foram avaliados", acrescentou.

 Agentes criativos

Bret Schafer, pesquisador da organização sem fins lucrativos Alliance for Securing Democracy, disse que o Facebook fez esforços consideráveis para fechar essas brechas, mas não foram suficientes para conter o fluxo de informações falsas e desinformações.

O primeiro conceito geralmente descreve a disseminação - acidental ou não - de informações falsas, enquanto "desinformação" geralmente é uma informação deliberadamente enganosa.

"Os agentes prejudiciais podem ser muito criativos em como contornar as restrições", explicou Schafer. "A moderação humana e automatizada do Facebook não consegue lidar com o volume e as formas como os agentes estão tentando contornar as restrições."

Na semana passada, o Facebook teve um início difícil em sua iniciativa de proibir novas mensagens políticas uma semana antes das eleições de terça-feira, com o objetivo de evitar que falsidades de última hora se tornassem virais.

Os dois partidos rivais reclamaram do surgimento de novos anúncios desse tipo, apesar da medida.

O gerente de produto do Facebook, Rob Leathern, reconheceu que alguns anúncios foram "contidos indevidamente" e que certos anunciantes tiveram problemas para modificar suas campanhas. "Estamos trabalhando rápido nesses arranjos", disse Leathern na semana passada.

Como em 2016?

Os problemas de compliance do Facebook vêm com todo o esforço da plataforma para limitar o tipo de manipulação visto em 2016, quando entidades estrangeiras espalharam informações falsas para influenciar as eleições.

O Facebook lançou dezenas de acordos de verificação de informações, inclusive com a AFP, com o objetivo de limitar a disseminação de rumores e enganos.

"Desmascaramos uma conspiração e já temos outras dez surgindo em seu lugar. Acredito, no entanto, que essa seja a natureza deste trabalho e não é surpreendente que agentes mal-intencionados estejam tentando encontrar fraquezas ou brechas no programa de verificação de segurança. informações do Facebook", disse Aaron Sharockman, CEO da PolitiFact, um dos parceiros da plataforma.

O presidente da Media Matters, Angelo Carusone, lembrou que o grupo de vigilância já havia alertado sobre lacunas nas políticas do Facebook que permitem que a desinformação flua.

"Agora estamos vendo esses alertas se tornarem realidade", disse Carusone na semana passada. Porém, para Edelson, os problemas atuais são diferentes dos de 2016.

"Quatro anos atrás, havia um pequeno número de maus atores responsáveis pela maioria da desinformação", disse ele. "Agora, há muitos anunciantes olhando para 2016 e vendo isso como uma boa estratégia."

Para Schafer, em 2016, "muitas pessoas foram apanhadas de surpresa" por causa da desinformação generalizada e da circulação de informações falsa.

Hoje, porém, "estamos mais bem preparados como sociedade, mas não estamos nem perto do nível de imunização. Por isso ainda pode ter impacto", alertou.

A atual politização de questões relativas a uma vacinação obrigatória contra o coronavírus, assim como a disseminação de informações falsas sobre efeitos colaterais da imunização encontram paralelo num dos mais notórios episódios de saúde pública da história do Brasil: a Revolta da Vacina de 1904.

Naquele início de século 20, a politização do tema foi um dos combustíveis para violentas manifestações contra a vacinação obrigatória e contra o governo na cidade do Rio Janeiro, então capital do País. O motim, que durou seis dias, levou à decretação de estado de sítio na cidade e só cessou após a revogação da obrigatoriedade da vacina. Trinta mortos, 110 feridos e mais de 1.500 presos e deportados constam nos números oficiais sobre a rebelião.

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A revolta, que teve como estopim as discussões sobre a lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola, surgiu de uma combinação de fatores que desencadearam um enorme descontentamento popular - e tem, no seu cerne, uma orquestrada campanha de desinformação mobilizada por opositores do governo do então presidente Rodrigues Alves e do médico responsável pela ação de imunização, o sanitarista Oswaldo Cruz, então secretário da Saúde Pública. Este último, alvo favorito das charges dos opositores.

Na guerra política contra a vacinação, a oposição veiculou uma série de inverdades sobre a vacina. Afirmava que ela causava diferentes males à saúde, entre eles gangrena, epilepsia, meningite, tuberculose e sífilis. As falsas histórias trouxeram à circulação uma absurda teoria segundo a qual quem tomasse a vacina poderia assumir características de um bovino - crescimento de um chifre, casco ou pelagem do animal. A história se devia a que, nos primórdios da criação da vacina, havia um processo de inoculação da benigna varíola bovina.

Opositores

Médicos e políticos, que no passado haviam endossado outras campanhas de vacinação, engrossaram as fileiras que investiam contra a vacina. O senador Barata Ribeiro e o deputado Barbosa Lima eram exemplos do jogo político nos bastidores dessa disputa. O Estadão de 28 de setembro de 1904 publicou aguerrido discurso de Barata Ribeiro no Senado contra a vacinação: "Ao que parece, o governo tem o propósito de alimentar a epidemia desprezando a prophylaxia afim de obrigar o povo a estender o braço à lanceta homicida. Queria que o sr. Rodrigues Alves saísse da mudez de seu palácio e viesse para o meio da população. Elle coraria também vendo tanta desgraça (...)". A solução proposta pelo senador era aprovar mais leis de crédito para construção de hospitais.

O deputado Barbosa Lima, um major positivista e florianista, foi governador de Pernambuco e lá fundou o Instituto Vacinogênico no Estado - mas desta vez ele investiu contra a vacinação. Para obstruir a votação da lei que tornou obrigatória, em 31 de outubro de 1904, ele apresentou mais de 30 emendas contrárias ao projeto.

Com laços estreitos com o senador e tenente-coronel Lauro Sodré, que fundou a Liga Contra a Vacina Obrigatória, Barbosa Lima é um representante dos setores militares que insuflaram um levante na Escola Militar da Praia Vermelha para derrubar Rodrigues Alves.

Moralismo

No discurso contra a vacinação, a questão moral também se fez presente. Enquanto as pessoas vacinadas mostravam os bons efeitos da proteção da imunização, os discursos contrários à vacina passaram a enfocar a violação do lar pelos agentes sanitários. Oswaldo Cruz coordenava então uma ação de vacinação feita de casa em casa. A oposição passou a dizer que a honra do trabalhador estava em perigo, pois suas esposas e filhas seriam forçadas à desnudar braços, coxas e talvez até as nádegas para os servidores da secretaria de Saúde Pública.

Outro viés na narrativa dos antivacinas era a violação das liberdades individuais. Em um artigo de capa publicado em 17 de julho de 1904, o Estadão tratou da situação de penúria em que vivia a saúde no Rio e criticou os políticos adversários da vacina. "Acima de tudo os princípios. Que importa que a Peste dizime? (...) A varíola grassa de modo pavoroso - o hospital de S. Sebastião regorgita, não há mais um leito e os carros da assistencia não param recolhendo nos bairros pobres as victimas da terrivel molestia."

"O povo, aterrado, dispõe-se à vacina, corre aos postos medicos e justamente quando se vae impondo, pela convicção, a prophylaxia que tem provado tão vantajosamente em todo o mundo, homens de prestigio, como os drs. Barbosa Lima, na Camara, e Barata Ribeiro no Senado, insurgem-se contra a medida salvadora."

Redução da imunização

A campanha contra vacinação levou o caos às ruas do Rio. Não derrubou Rodrigues Alves, mas foi eficiente em reduzir a vacinação. Entre maio e julho de 1904 o número de vacinados mostrava-se numa curva ascendente: foram cerca de 8.200 pessoas vacinadas em maio, e 23.021 em julho. Com a discussão sobre a obrigatoriedade da vacina e as disputas derivadas do debate sobre a lei, em agosto o registro caiu para 6.036 vacinados. Em final outubro, dias antes da revolta, o registro era de apenas 1.138.

A recusa popular à vacinação foi amplamente sentida, mesmo antes da aprovação da Lei nº 1261 de 31 de outubro de 1904, que tornava a vacinação obrigatória. As campanhas de imunização já eram usadas com sucesso em países da Europa, mas seu uso no Brasil era pequeno e a população ainda desconfiava de seus efeitos. "A onda de insatisfação instaurou a desordem nas ruas. Poucos se submetteram à vaccinação.", contava o jornal.

Nas Filipinas, a desinformação que se espalha pelas redes sociais e atinge milhões de pessoas de baixa renda levou um grande número de cidadãos a rejeitar a vacina contra a poliomielite e outras doenças mortais.

A vacinação de crianças do arquipélago passou de 87% em 2014 para 68% em 2019, ano em que sofreu uma epidemia de sarampo e o reaparecimento da poliomielite.

Isso está, em grande parte, ligado a uma polêmica sobre a Dengvaxia, a primeira vacina contra dengue do mundo retirada do mercado em 2017 depois que seu fabricante, o grupo francês Sanofi, revelou que poderia agravar os sintomas em pessoas não previamente infectadas com o vírus.

Os especialistas também apontam que informações falsas sobre vacinas que circulam nas redes sociais prejudicam a confiança das pessoas.

Em Tarlac, ao norte, a enfermeira Reeza Patriarca constatou as consequências de uma informação falsa divulgada no Facebook sobre a morte de cinco pessoas após uma vacinação não especificada.

Compartilhados milhares de vezes, esses posts apareceram em agosto após a retomada de uma campanha de vacinação contra a pólio apoiada pela OMS.

Essa informação falsa chegou à cidade vizinha de San José del Monte, dissuadindo um grande número de residentes de receber a vacina contra gripe.

As declarações do ministério da Saúde não convenceram a população.

- 'Por causa do Facebook' -

"Alguns acreditaram na explicação (do governo), outros não", explica esta enfermeira de 27 anos.

Rosanna Robianes, uma profissional da saúde, diz que muitos idosos pararam de ser vacinados.

"Disseram que é por causa do Facebook, onde circula uma publicação segundo a qual morreram as pessoas vacinadas em Tarlac", afirma.

O interesse em informações antivacinas aumentou durante a pandemia de covid-19.

Nas Filipinas, o número de pessoas que seguem grupos ou páginas antivacinas no Facebook saltou de 190.000 para cerca de 500.000, de acordo com a ferramenta de análise de mídia social CrowdTangle.

Cerca de 8 milhões de reações, comentários e conteúdos compartilhados foram registrados desde o início da epidemia.

April Villa, de 40 anos e mãe de dois filhos, na província de Laguna, faz parte dos antivacinas.

No Facebook, acompanha o grupo "Não às vacinas - Filipinas", criado em julho e com mais de 2.000 membros.

Ela explica à AFP que se juntou ao grupo para "ter informações que nosso sistema educacional jamais poderia ensinar".

As vacinas "são tóxicas para o corpo humano, matam os anticorpos naturais", diz ela, que não pretende ser vacinada contra a covid-19.

A maioria dos 73 milhões de internautas filipinos têm contas no Facebook, de acordo com a consultoria britânica We Are Social.

Durante a eleição presidencial de 2016, postagens sobre o candidato Rodrigo Duterte inundaram o Facebook, tendo um papel crucial em sua vitória.

O Facebook apresentou nesta quinta-feira uma série de medidas contra grupos privados que se formam em torno de um determinado assunto na rede social para incitar a violência ou dar conselhos de saúde.

O acesso a grupos violentos será restrito na ferramenta de busca e seu conteúdo aparecerá cada vez menos no feed atual de usuários. Se algum de seus membros ameaçar cometer atos violentos, mesmo com palavras simbólicas ou ocultas, a rede social deleta a conta do grupo.

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Em relação aos grupos que falam sobre questões de saúde, "eles podem ser um espaço positivo para dar e receber apoio em períodos difíceis da vida", reconhece Tom Alison, vice-presidente de engenharia do Facebook, em artigo de blog. "Ao mesmo tempo, é crucial que as pessoas obtenham informações médicas de fontes que são uma referência", argumentou Alison.

A empresa norte-americana também anunciou que arquivará grupos sem um administrador e proibirá administradores e moderadores de grupos excluídos de abrirem outros "por um certo tempo".

Qualquer usuário alertado pelo Facebook por ter violado as regras de um grupo deve receber uma aprovação para qualquer nova publicação durante um período de 30 dias.

Menos de sete semanas antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos, a empresa multiplica anúncios para mostrar seu ativismo contra grupos violentos e enganadores.

A rede social vetou os grupos de extrema direita "Boogaloo" no final de junho e em agosto suprimiu centenas de grupos ligados ao QAnon, um movimento de partidários do presidente Donald Trump que promove teorias da conspiração.

Considerado ameaça doméstica de terrorismo nos Estados Unidos pelo potencial de incentivar violência por parte de extremistas, o movimento QAnon (sigla para "Q Anônimo") foi adaptado ao Brasil e ganha adeptos entre radicais nacionais. A versão brasileira da teoria da conspiração criada pela extrema-direita americana tem sido cultivada em fóruns bolsonaristas e alimenta campanhas de "fake news".

São alvos dessas campanhas ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e mesmo estratégias sanitárias na pandemia, como o uso de máscaras de proteção e "termômetros de testa".

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Em síntese, os adeptos do QAnon acreditam que o presidente Donald Trump foi escolhido por um exército secreto para uma batalha contra governantes ocultos do mundo. É um herói patriota que aceitou enfrentar uma rede de tráfico humano e pedofilia que envolve desde políticos da esquerda e atores de Hollywood até o Vaticano e o bilionário húngaro George Soros.

A origem do movimento é obscura. Os adeptos seguem um anônimo que se identifica como "Q" para lançar mensagens cifradas em um fórum da deep web - parte da internet escondida de ferramentas de busca para preservação do anonimato.

A fonte primária da teoria jamais fez qualquer menção a Bolsonaro, mas apoiadores do presidente trataram de incluir o brasileiro entre os líderes mundiais escolhidos pelo "Q" para "salvar o mundo".

Em abril deste ano, por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, postou nas redes uma foto ao lado do pai e dos irmãos comendo milho. Para adeptos do movimento QAnon, mais do que uma mera reunião de família, a imagem era uma prova de que Bolsonaro é o escolhido. Dias antes, o "Q" havia publicado a cena de uma plantação de milho. "Junte as peças do quebra-cabeça", dizia a mensagem postada pelo perfil "Revelação Total".

Levantamento do Estadão identificou que, nos últimos 12 meses, ideias do movimento foram propagadas em páginas, grupos e canais de Facebook e YouTube que, juntos, somam cerca de 1,7 milhão de seguidores ou membros. Por meio da ferramenta CrowdTangle, a pesquisa considerou apenas as publicações em português. São contas que permanecem no ar, apesar das remoções de grupos de adeptos da QAnon anunciadas recentemente pelas plataformas.

Os "conspiracionistas" não estão restritos ao anonimato da internet. No ato de 21 de junho, na Esplanada dos Ministérios, apoiadores de Bolsonaro levaram cartazes ostentando a letra "Q" e também "wwg1wga", sigla que identifica o movimento e representa em inglês a frase "onde vai um vamos todos".

Outra manifestante carregava os dizeres "Pizzagate é real", em referência à conspiração que serviu de gatilho ao QAnon. Em 2016, trumpistas inventaram que Hillary Clinton, então adversária de Trump nas eleições americanas, e seus principais auxiliares controlavam um esquema de tráfico de crianças de dentro de uma pizzaria, em Washington. Influenciado pela farsa, um homem foi ao local e disparou uma metralhadora.

O crescimento no território americano acendeu um alerta. Relatório do FBI que veio a público em agosto de 2019 apontou que ideias como as do QAnon "muito provavelmente" cresceriam e levariam grupos e indivíduos extremistas a cometer atos criminosos ou violentos". A agência classificou o movimento como potencial ameaça interna de terrorismo.

Ataques

Integrantes do STF são alvos recorrentes dos fóruns conspiratórios no Facebook com informações caluniosas. Publicações buscaram ligar ministros a "orgias com garotas" organizadas pelo médium conhecido como João de Deus, sustentam que a força de Trump é capaz de influenciar decisões do Supremo e insinuam que o Judiciário conspira contra Bolsonaro.

Entre as páginas que reproduzem conteúdo QAnon estão algumas que se apresentam como "Aliança com o Brasil", "Brasil Acima de Tudo" e "Bolsonaro direitista". Em vídeos com "explicações" sobre a teoria é comum a defesa da "hidroxibolsonaro" no combate à covid-19. As páginas costumam ser mantidas por perfis falsos ou apócrifos.

A reportagem pediu entrevistas a quatro pessoas que são identificadas nas redes sociais como referências ao QAnon no Brasil, mas não obteve resposta. Em seus perfis, eles alegam que a "mídia mainstream" trabalha contra a "verdade secreta".

O movimento é político, mas não só. Reportagem de junho da revista The Atlantic classificou o fenômeno como "uma nova religião". No Brasil, o QAnon é disseminado em grupos que discutem temas esotéricos e místicos.

O psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker afirma que teorias conspiratórias buscam a simplificação de fenômenos que as pessoas não conseguem explicar com o repertório que detêm. "A paranoia resolve as coisas porque ela vai dizer que existe um plano maior, um sentido. E diz indiretamente para a pessoa que ela é muito importante porque passou a saber que o mundo se divide, por exemplo, no combate entre as trevas e o bem. Esse efeito de relevância, de protagonismo, é muito tentador", disse o psicanalista.

Plataformas removem páginas ligadas a grupo

O Facebook informou, em nota enviada ao Estadão, agir constantemente contra grupos e páginas ligadas ao movimento QAnon e que violam as políticas da empresa. "Esses movimentos, no entanto, evoluem com rapidez, o que exige de nós um esforço contínuo. Portanto, seguiremos o tema de perto, estudando símbolos e terminologias e avaliando os próximos passos para manter a nossa comunidade segura", diz a nota.

A plataforma afirmou que no dia 19 deste mês removeu 790 grupos e 100 páginas ligados ao movimento.

‘Condutas violentas’. A rede conspiratória, porém, não foi banida da plataforma. A derrubada afetou somente contas que "celebravam condutas violentas, mostravam armas de fogo, sugeriram usá-las ou tinham seguidores com padrões comportamentais violentos".

Já o YouTube declarou que desde que atualizou sua política de discurso de ódio, em junho de 2019, removeu "dezenas de milhares" de vídeos relacionados ao QAnon e encerrou "centenas" de canais com conteúdo sobre o tema por violarem diretrizes de comunidade.

"Além disso, quando os usuários vêm ao YouTube e pesquisam tópicos sujeitos a desinformação, fornecemos contexto adicional e destacamos vídeos de especialistas ou fontes de notícias confiáveis." Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou. 

O Facebook confirmou nesta quarta-feira (5) ter removido da página do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um vídeo considerado "desinformação prejudicial" sobre a pandemia de Covid-19.

Trata-se de uma entrevista para a emissora Fox News em que Trump afirma que as crianças são "quase imunes" ao novo coronavírus. "O vídeo inclui afirmações falsas de que um grupo de pessoas é imune à doença, o que representa uma violação das nossas políticas sobre desinformação", informou um porta-voz do Facebook à AFP.

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Esta é a primeira vez que a rede social remove uma publicação da página do presidente por "desinformação", embora tenha excluído uma publicação da página de sua campanha eleitoral por usar um símbolo nazista.

O Facebook removeu o vídeo no momento em que enfrenta pressões para evitar a divulgação de informações falsas por um lado e, por outro, é acusado de censurar opiniões. Ao ser consultado sobre a decisão da rede social, durante entrevista coletiva na Casa Branca, Trump defendeu-se: "Falo de ficar gravemente doente. Se você olhar para as crianças, elas podem se livrar do coronavírus muito facilmente."

Segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, o inquérito das fake news não investiga críticas à Corte mas sim uma 'maquina de desinformação' que usa robôs e perfis falsos para desacreditar instituições democráticas. Toffoli diz que o combate a desinformação é um dos maiores desafios globais do nosso tempo, exigindo ações em diferentes níveis.

"Não podemos normalizar, condescender e aceitar as fake news como um fenômeno inevitável. Não podemos aceitar isso como algo impossível de combater. Temos que ter instrumentos, regulação, responsabilidade do mercado a respeito desses temas", disse.

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As declarações do presidente do Supremo se deram em seminário virtual organizado pelo site Poder360 sobre liberdade de expressão. No debate o ministro citou diferentes decisões do STF que garantiram a liberdade de ideias e destacou que a liberdade de expressão deve estar a serviço da informação.

"É necessário aprofundar o debate sobre arcabouço normativo - o que compete ao Congresso, ouvindo toda a sociedade -, primar pela disseminação de informações fidedignas, estimular o uso ético e transparente das novas tecnologias, conscientizar a população", disse o presidente do STF sobre o combate às fake news.

Além disso, o ministro destaca que é necessário investigar práticas criminosas. "Usando aquela velha frase usada em Brasília - jabuti não sobre em árvore, ou foi enchente ou foi mão de gente. Se existe noticia falsa é porque isso interessa a alguém", afirmou Toffoli.

O presidente do Supremo também apontou que é necessário ter atenção e fiscalizar a disseminação de desinformação. Segundo ele, em tal desafio a Corte 'segue cada vez mais vigilante e consciente de sua missão como guarda da Constituição e guarda das conquistas democráticas, dentre elas a liberdade de expressão e o direito a informação'.

Contas suspensas

Após um comentário do criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, o presidente do STF chegou a fazer referência a uma das mais recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news, a de suspender contas de investigados. Determinada em maio, quando apoiadores do governo foram alvo de buscas em operação da Polícia Federal, a medida foi justificada pela necessidade de 'interromper discursos criminosos de ódio'.

Na última sexta, 24, as contas e páginas, no Twitter e Facebook, do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), dos empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury, da extremista Sara Giromini, do blogueiro Allan dos Santos e de outros aliados do presidente Jair Bolsonaro foram tiradas do ar no Brasil.

Pierpaolo afirmou que considera a decisão de suspender as contas de investigados, legítima, sendo que a medida está dentro das cautelares possíveis. "Se é possível proibir alguém que ir até algum lugar, também possível proibir eles de usarem alguns instrumentos", indicou o advogado.

Logo depois Toffoli disse que julgadores passam por momentos 'dramáticos', fazendo ponderações, e propôs uma reflexão apontando que o fato de haver o direito fundamental de ir e vir não impede que uma pessoa que cometa crimes seja presa provisoriamente sem haver culpa formada contra ela ou denúncia. O ministro lembrou ainda que há mais de 200 mil presos provisoriamente hoje no Brasil, sem sentença de 1º grau.

Em seguida afirmou: "Uma rede social que difunde manifestações de maneira oculta, sem saber quem é o autor (anonimato), ou através de mecanismos chamados de robôs de retransmissão, e que difundem ataques as instituições a democracia, propõem volta de AI-5 e fechamento do STF, não se pode ter a suspensão em nome da liberdade de expressão, do veículo pelo qual eles fazem essa transmissão?"

O ministro seguiu: "Se isso estivesse acontecendo em plataformas tradicionais, os acionistas seriam responsabilizados. Essa é uma outra discussão que se coloca ao lado das redes sociais. E isso vai chegar o Judiciário, por isso que estou sendo comedido aqui".

O Japão acusou nesta terça-feira (14) a China de "desinformação" sobre o novo coronavírus e expressou "grande preocupação" com as reivindicações do país no Mar da da China Meridional e nas ilhas Senkaku/Diaoyu, cuja soberania é disputada pelos dois países.

As relações diplomáticas entre Japão e China melhoraram desde o fim de 2018, mas nos últimos meses voltaram a enfrentar um momento ruim, em um contexto marcado pelo descontentamento de muitos países com a forma como a China administrou a crise do coronavírus e a imposição de uma lei de segurança em Hong Kong.

Em seu livro branco anual sobre a política de defesa, publicado nesta terça-feira, o Japão atribui à China ações de "propaganda" e de "desinformação" sobre o coronavírus, que foi detectado pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan no fim de 2019.

O Japão cita como exemplo os comentários no Twitter do porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores, que sugeriu em março que a COVID-19 foi introduzida em Wuhan pelo exército americano, ou a promoção ervas medicinais para tratar a doença.

A China também "prosseguiu sem descanso com suas ações unilaterais para impor uma mudança do status quo nas ilhas Senkaku", administradas por Tóquio.

Os dois países reivindicam a soberania do micro arquipélago desabitado no Mar da China Oriental, que Pequim chama de Diaoyu e que poder ser rico em combustíveis.

Na segunda-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, declarou que as reivindicações de Pequim sobre os recursos offshore no Mar da China Meridional são "completamente ilegais, assim como sua campanha de intimidação para controlá-los".

A embaixada da China nos Estados Unidos criticou o que chamou de "acusações totalmente injustificadas".

O livro branco do Japão sobre defesa também menciona a persistência da ameaça da Coreia do Norte e recorda que Pyongyang é capaz de miniaturizar ogivas nucleares para uso em mísseis balísticos.

Jair Bolsonaro não aceitou participar do compromisso de combater a desinformação e a propagação de fake news em meio à pandemia. O documento foi assinado pelas autoridades de 132 países, a exemplo dos Estados Unidos, Reino Unido, Bolívia, Argentina e Venezuela. 

Mas o Brasil preferiu seguir o exemplo de países comunistas como China, Cuba e Coreia do Norte. O Itamaraty não esclareceu sobre a decisão de não aderir à iniciativa. No mês passado, o Supremo Tribunal Federal fechou o cerco ao "gabinete do ódio" e apreendeu documentos, computadores e celulares em endereços de 17 pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro. 

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Como revelou o Estadão em setembro do ano passado, o "gabinete do ódio" está instalado dentro da estrutura do gabinete do presidente da República. A atuação do grupo é investigada pelo inquérito do STF que apura ameaças, ofensas e a disseminação de fake news contra integrantes da Corte e seus familiares.

Uma pesquisa realizada pelo Ibope indicou que nove em cada dez brasileiros acreditam que deveria haver algum tipo de regulamentação nas redes sociais para combater a disseminação de fake news e desinformação. O levantamento, feito a pedido da Ong Avaaz, ouviu mil pessoas por telefone com idade superior a 16 anos.

As entrevistas ocorreram entre 28 e 29 de maio. Questionados se deveria haver uma lei que obrigasse as empresas de redes sociais a protegerem a sociedade de notícias falsas e desinformação, 90% respondeu que sim; 8% disse que não; e 2% não soube responder. A margem de erro é de 3% para mais ou menos e o nível de confiança é de 95%.

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Está prevista para esta terça-feira (2) a votação no Senado de projeto de lei que pretende transformar em crime o uso de contas falsas ou de robôs nas redes sociais. O Supremo Tribunal Federal (STF) também instaurou um inquérito que apura o disparo em massa de fake news e ataques aos ministros.

Para 68% dos ouvidos, o governo não faz o suficiente para lidar com as notícias falsas e a desinformação. Os que acreditam que a atuação do governo tem sido suficiente representam 24%. Outros 8% não responderam.

A pesquisa também questionou os entrevistados sobre pontos específicos do projeto que tramita no Senado. Sobre a exigência de que as redes sociais rotulem todos os anúncios e postagens pagas com informações sobre quem pagou por eles, 71% disse concordar; 23% discorda e 6% não sabe ou não respondeu.

Também 76% concorda que as redes sociais rotulem todos os robôs, para que o internauta saiba que não está interagindo com uma pessoa real. Uma parcela de 20% discorda e 4% não sabe ou não respondeu.

Os entrevistados foram questionados se concordam que as redes sociais removam contas falsas que tentam enganar as pessoas e, ao mesmo tempo, garantam que as pessoas possam usar outro nome em seus perfis por motivos de segurança ou por serem contas de humor. Do total, 71% concorda, 26% discorda e 3% não sabe ou não respondeu.

Alertas falsos sobre um homem morto a tiros em um posto de controle pelo coronavírus, uma gravação antiga que informava sobre um tumulto em um supermercado ou um vídeo de 2015 de uma operação policial em um bordel que circulava com afirmações enganosas.

A avalanche de desinformação na internet e os boatos durante a crise do coronavírus provocam medo e confusão na Ásia, e em todo o mundo, onde os infratores do confinamento enfrentam o risco de prisão e de multas em alguns países.

A AFP checou mais de 150 boatos ou notícias falsas relacionadas ao confinamento na região desde fevereiro, quando os governos, além da China, começaram a impor restrições para conter a propagação da Covid-19.

Os boatos são criados por uma ampla variedade de pessoas com diferentes motivações: desde os que tentam desacreditar os governos e aprofundar as divisões religiosas até os que consideram a situação uma piada. E são compartilhados rapidamente como fatos.

Em abril, um rumor publicado no Facebook nas Filipinas sugeria que um motociclista foi morto a tiros por evitar um posto de controle.

Na verdade, as imagens, que foram assistidas dezenas de milhares de vezes e compartilhadas nas redes sociais, eram de um exercício de treinamento policial.

Alguns usuários ficaram escandalizados e questionaram a suposta brutalidade da polícia no arquipélago, acusada há alguns anos de violar os direitos humanos e de liderar a polêmica guerra contra as drogas do presidente Rodrigo Duterte.

Mas outras pessoas afirmaram que o homem era um "cabeça dura", que teria sido justamente castigado por por ignorar o controle, o tipo sentimento demonstrado pelos simpatizantes de Duterte, que celebram as milhares de mortes provocadas pela guerra contra as drogas.

Nas Filipinas também circulava outra desinformação sobre a prorrogação do confinamento, além de mensagens falsas sobre protestos contra o governo que não respeitavam a proibição de concentrações.

Em outros lugares da Ásia, como a Tailândia, um vídeo que circulou no Facebook mostrava supostamente pessoas em busca de alimentos na Malásia após o decreto de um confinamento rigoroso.

Os usuários tailandeses do Facebook, que assistiram o vídeo centenas de milhares de vezes, compartilharam as imagens com comentários que expressavam a preocupação com cenas similares na Tailândia.

O vídeo, na realidade, mostrava consumidores no Brasil durante a 'Black Firday' de novembro 2019, uma data criada nos Estados Unidos e que é organizada em vários países.

"A desinformação provoca muita incerteza e ansiedade na população", afirma Yvonne Chua, professora de Jornalismo na Universidade das Filipinas.

- Máscaras, compras de pânico -

O caos na internet é maior quando os governos divulgam poucas informações, explica Axel Bruns, professor de Jornalismo na Universidade de Tecnologia de Queensland, Austrália.

"Me parece que quanto mais efetiva foi a comunicação dos governos sobre o confinamento e sobre todos os aspectos da resposta ao coronavírus, menos espaço havia para a desinformação", disse Bruns.

Na Tailândia, onde as restrições aos deslocamentos foram decretadas em março, a ansiedade aumentou com mensagens falsas de que as pessoas sem máscaras seriam multadas em até 200 baht tailandeses (6 dólares).

Rapidamente, a notícia falsa se propagou no Facebook, Twitter e no aplicativo de mensagens Line. A polícia tailandesa se viu obrigada a rebater a informação em uma entrevista coletiva.

Menos de um mês depois, no entanto, algumas províncias adotaram multas muito mais elevadas para quem não usava máscara, criando e espalhando mais confusão.

- O boato do ataque com machado -

No Paquistão, onde as restrições para conter o coronavírus foram suavizadas recentemente, um vídeo sugeria que compradores tentaram fugir de um mercado depois que a polícia descobriu que os consumidores infringiram o confinamento.

Mas o vídeo mostra uma operação policial contra um bordel em 2015.

Muitos usuários paquistaneses apontaram que o vídeo era antigo, mas quando isto aconteceu dezenas de milhares de pessoas já haviam assistido as imagens no Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp.

Na vizinha Índia, a desinformação se espalhou após o confinamento imposto em março.

Alguns casos incluíram difamações, boatos sobre as rígidas medidas de confinamento e notícias falsas que pretendiam exacerbar as tensões religiosas.

Um vídeo de um ataque com machado foi assistido dezenas de milhares de vezes no Facebook e Twitter, com mensagens de que seriam islamitas extremistas matando um hindu durante o confinamento.

Na realidade, o vídeo mostrava um ataque no Paquistão.

Enquanto algumas pessoas identificaram que o vídeo era de outro país, outras se sentiram enganadas e afirmaram que a Índia precisa de "um governo militar".

Bruns disse que a avalanche de desinformação se deve, parcialmente, à incapacidade dos governos a tranquilizar seus cidadãos.

"A circulação da desinformação aumentou durante este período porque as pessoas procuram desesperadamente respostas para suas perguntas sobre o que está acontecendo, por quê e o que podem fazer para se proteger", explica.

"E se não conseguem encontrar respostas suficientemente satisfatórias com fontes oficiais, elas procuram em qualquer parte", adverte.

Com suas fotos de gatos e ironia mordaz, Mathieu Rebeaud, um pesquisador de bioquímica da Suíça, praticamente triplicou seus assinantes no Twitter durante a pandemia de coronavírus, graças a seus conselhos para lidar com o excesso de informações e, principalmente, desinformação.

Como Rebeaud, muitos médicos, professores universitários e instituições de todo mundo se voltaram para as redes sociais para explicar, detalhar e desmontar erros, informações falsas e teorias conspiratórias sobre a Covid-19.

E a maioria deles com uma estratégia semelhante: em vez de afirmar seu papel de autoridade, apostam na linha pedagógica.

Especialistas consultados pela AFP estimam que a onipresença das redes sociais e a superabundância de informações os obrigam a agir rapidamente para alcançar o maior número possível de pessoas com dados científicos e mensagens simples de prevenção.

Na pandemia, "as teorias conspiratórias fornecem explicações completas, simples, de aparência racional e sólidas" e, portanto, "completamente opostas ao conhecimento científico disponível, que é complexo, fragmentado, mutável e cheio de controvérsias", resume a pesquisadora Kinga Polynczuk-Alenius, da Universidade de Helsinque.

"Nesse período de incerteza, é particularmente necessário espalhar informações confiáveis rapidamente", alertou em fevereiro a revista médica britânica "The Lancet".

Mas como conciliar o longo tempo das publicações científicas rigorosas e o público, acostumado à instantaneidade das redes sociais e muitas vezes exigindo respostas firmes e definitivas?

- Desmentir -

De qualquer modo, "não temos escolha", afirma o presidente do comitê de ética do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, Jean-Gabriel Ganascia.

"Temos que agir com as ferramentas à nossa disposição", acrescenta Jean-François Chambon, médico e diretor de comunicação do Instituto Pasteur, que em março teve de desmentir vídeo viral que acusava a instituição de ter "criado" o SARS-CoV-2.

A pandemia levou a comunidade científica a ampliar seu uso das redes sociais e se fazer mais visível nelas.

"Antes da Covid-19, estava menos presente no Twitter", confirma Mathieu Rebeaud, da Universidade de Lausanne, Suíça.

Para seus quase 14.000 assinantes no Twitter, Rebeaud detalha os estudos científicos por meio de "threads", que permitem que as mensagens sejam encadeadas.

Entre outros médicos e pesquisadores que entraram no ringue, destacam-se o francês "Apothicaire amoureux" e a microbiologista holandesa Elisabeth Bik.

Em 22 de maio, horas após a publicação de um grande estudo sobre os efeitos da cloroquina e da hidroxicloroquina entre os pacientes com Covid-19, Bik resumiu suas conclusões em uma frase: "Menos sobrevida e mais arritmias ventriculares".

A maioria dos governos e agências de saúde também dedica páginas específicas em seus sites oficiais para combater ideias falsas.

Para esta crise, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a um acordo com o Facebook para difundir diretamente mensagens no WhatsApp e no Messenger.

Na mídia, cientistas e médicos aparecem diariamente para desmontar ideias preconcebidas sobre o vírus.

Em relação à desinformação, "não tínhamos nenhum dispositivo específico, mas rapidamente criamos um site especial, pois (...) percebemos que havia muita" fake news sobre a Covid-19, segundo Chambon, do Instituto Pasteur, que registra 16.000 novos assinantes mensais em todas as redes sociais, em comparação com 4.000 antes da pandemia.

- Educação -

A mudança não é apenas quantitativa, explica Mikaël Chambru, especialista em comunicação científica da Universidade de Grenoble-Alpes (sudeste da França).

Os cientistas envolvidos no debate "procuram compartilhar o conhecimento atual para criar uma cultura científica entre o público, explicando como funciona e dando as chaves para a compreensão", segundo Chambru.

E é que "uma posição de autoridade seria muito mal recebida pela população", aponta Jean-Gabriel Ganascia.

Os cientistas também passam um tempo lembrando com tuítes as regras que tornam um estudo mais ou menos sério - entre elas, se ele foi, ou não, revisado por outros colegas ("peer-to-peer").

A luta é, no entanto, muitas vezes desigual.

"Desmontar uma 'estupidez' requer dez vezes mais energia" do que espalhá-la, de acordo com Rebeaud, corroborando um estudo da revista "Science" de 2018, que mostrou que "as mentiras se espalham mais rapidamente do que a verdade".

Portanto, é importante agir com antecedência.

Uma comunicação científica adaptada "não pode ser o único antídoto" contra as "fake news", destaca a pesquisadora italiana em comunicação Mafalda Sandrini, para quem a educação científica deve ser revista para que o público seja menos permeável a esse tipo de informação.

Informações equivocadas sobre o novo coronavírus na internet e nas redes sociais podem ser devastadoras e inclusive provocar mortes, com a divulgação de remédios milagrosos tóxicos e recomendações sobre a interrupção de tratamentos médicos.

Os cientistas iniciaram uma corrida contra o tempo para encontrar um tratamento eficaz ou uma vacina contra uma pandemia que já matou mais de 20.000 pessoas. Os boatos mais insensatos, no entanto, se propagam na internet, alimentando a confusão.

As consequências podem ser trágicas: no Irã, um dos países mais afetados, mais de 210 pessoas morreram por beber álcool adulterado depois que circulou na internet o boato de que isto poderia tratar ou evitar a COVID-19, informou a agência oficial Irna.

Os perigosos falsos remédios pesquisados pela AFP incluem o consumo de cinzas vulcânicas e lâmpadas UV ou alvejantes, que de acordo com as autoridades de saúde podem ser muito prejudiciais.

Outro remédio que "mata o coronavírus", segundo mensagens enganosas nas redes sociais, é beber prata coloidal (formada por nanopartículas de prata).

"Estou preparando prata coloidal. Tenho asma, isto funciona de verdade? (...) Ajuda se eu tomar uma colher de chá por dia?", pergunta Michelle em um grupo público do Facebook, ao lado de uma foto de uma jarra de água com uma haste de metal dentro.

Os efeitos colaterais da ingestão de prata coloidal podem incluir uma descoloração da pele e a baixa absorção de alguns medicamentos, como os antibióticos, afirma o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.

Mas isto não desanima algumas pessoas. Um australiano que diz estar acostumado a comprar a mistura contou à AFP que o produto "está esgotado" em sua cidade, mas antes do vírus ele sempre conseguia adquiri-lo.

Consumir cocaína ou beber um pouco de alvejante também são alguns dos conselhos que circulam na internet. "Não, a cocaína NÃO protege contra # COVID-19", tuitou o governo francês em resposta.

- Um golpe para os negócios -

As compras estimuladas pelo pânico deixam vazias as prateleiras dos supermercados em vários países, mas alguns comerciantes e agricultores indianos tiveram o problema contrário: muitas pessoas evitam alguns produtos devido a informações falsas.

Alguns comerciantes de Nova Delhi relataram à AFP que adquiriram produtos fabricados na China, como armas de brinquedo, perucas e outros acessórios antes do Holi, o festival das cores que foi celebrado no início do mês.

"Mas a informação equivocada sobre os produtos chineses, de que poderiam transmitir o coronavírus, provocou uma queda nas vendas de quase 40% na comparação com o ano passado", afirmou Vipin Nijhawan, da Associação de Brinquedos da Índia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) garantiu que o vírus não dura muito em superfícies inanimadas, o que significa que é pouco provável que os produtos importados possam transmitir o coronavírus mesmo que estejam contaminados.

- Remédios para o coração -

A rápida divulgação das informações on-line faz com que os pacientes mais ansiosos passem por riscos desnecessários quando escutam os cientistas discutindo sobre teorias ainda não comprovadas.

A confusão foi provocada por uma série de cartas e artigos teóricos publicados em revistas científicas sobre se alguns tipos de medicamentos para o coração podem aumentar a possibilidade de desenvolver uma forma grave de COVID-19.

Isto levou as autoridades de saúde de toda Europa e Estados Unidos a recomendar aos pacientes cardíacos, que já têm um risco maior de contrair a doença, que continuem tomando os medicamentos.

Carolyn Thomas, que coordena um blog para mulheres que sofrem doenças cardíacas, afirmou que dezenas de leitores entraram em contato para pedir conselhos depois que viram mensagens no Twitter com advertências contra os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os bloqueadores de receptores de angiotensina.

"Até consultar meu cardiologista, continuo tomando os remédios, mas questiono se aumentam minha vulnerabilidade a contrair o vírus", afirma Thomas, que está em confinamento em sua casa no Canadá.

"Tenho medo de tomar e tenho medo de parar", explica.

O professor Garry Jennings, assessor médico da Fundação do Coração da Austrália, afirma que os artigos "foram baseados em uma série de fatores que são polêmicos" e alerta que se os pacientes param de tomar o medicamento, eles podem sofrer um infarto e morrer.

"Na ausência de outras evidências e sabendo que estes medicamentos são benéficos, não é uma boa ideia deixar de tomar", enfatiza.

Nos Estados Unidos um homem morreu depois de ingerir fosfato de cloroquina. Ele ouviu o presidente Donald Trump elogiar a cloroquina como um possível "remédio, um presidente dos céus", e tomou uma grande quantidade de um produto de limpeza de aquários.

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