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Famílias usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) têm enfrentado dificuldades para dar continuidade às terapias de atenção à pessoa com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Recife. Na manhã desta quarta-feira (27), mães de diversas partes da capital pernambucana se reuniram, no centro do Recife, em um protesto que cobrou do poder público ações imediatas nas unidades de saúde voltadas às questões mentais e do desenvolvimento.
##RECOMENDA##De acordo com algumas chefes de família ouvidas pelo LeiaJá, a lista de espera para o tratamento contínuo regular chega a cinco anos, a depender do caso. Também há escassez de psiquiatras, fonoaudiólogos e neuropediatras, todos essenciais para o tratamento terapêutico de pessoas com TEA, mas também para pessoas com outras necessidades e transtornos.
“A rede SUS está abandonando os pacientes com autismo, deficiência intelectual e transtornos mentais, especialmente crianças e adolescentes. Os CAPS estão sem psiquiatras para atender as demandas dos meninos. Conheço mãe na lista de espera há quatro anos e não consegue um neuropediatra. Em quatro anos, a medicação que esse menino tomava já mudou, ele já mudou”, disse Andreza de Castro, de 39 anos, ao LeiaJá.
Castro mora no Recife e é mãe de Davi, de 13 anos, que a acompanhou no protesto. O menino recebeu o diagnóstico ainda no primeiro ano de vida, e atualmente faz terapia paliativa, pois não depende integralmente do SUS. “Mesmo sem depender apenas do público, vim aqui por elas”, continuou.
“As mães têm precisado acionar o Samu para socorrer os seus filhos com crise de autoagressão e autolesão. E às vezes, quando o Samu chega, tem que acionar a polícia, porque os socorristas não conseguem conter a criança. Se essa criança tivesse tratamento e acompanhamento adequado, ela não estaria em surto. Estamos entrando em um estado em que as crianças estão colapsando e as mães também. Não existe assistência à mãe, que é cuidadora. Temos mães doentes, suicidas, dando entrada em urgências psiquiátricas porque não aguentam a sobrecarga”, completou Andreza.
Assistência do SUS é insuficiente
Para as famílias que não dependem do Sistema Único de Saúde em Pernambuco, a notícia boa chegou na última terça-feira (26): após muitas mobilizações de nível nacional, a Seção Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) julgou um Incidente de Assunção de Competência (IAC) sobre a responsabilidade dos planos de saúde pelas despesas com tratamento multidisciplinar e terapias especiais aplicadas a pessoas com autismo.
De forma unânime, a mesa negou provimento à apelação de um plano de saúde e ainda fixou nove teses jurídicas que garantem e definem o custeio e a cobertura por meio das operadoras de planos de saúde para o tratamento. No entanto, para quem depende da rede pública, a decisão não possui efeito.
“Os meus outros dois filhos, que têm o grau mais avançado [de autismo] eu não consegui trazer, porque eles estão se agredindo em casa. Estão tendo crises diárias, sem terapia. O SUS não disponibiliza tratamento e o CAPS não serve para os meus filhos, porque a terapia dura só meia hora e não se vê avanço nos meninos. Estamos precisando muito de terapias, de dentistas, de escolas com suporte. Meu filho que tem grau severo foi aprovado para ser buscado pela condução e levado à escola, já tem um ano isso e a condução não vai. Não estamos aqui pedindo favor, é o nosso direito”, relatou Juliana Alves de Souza, de 36 anos, também moradora do Recife.
A participante é mãe de quatro filhos, dos quais três são TEA, todos meninos. Cada um em um nível diferente: Calebe, de 12 anos, é grau um; Arthur, de quatro anos, é grau dois; e Davi, de 10 anos, é grau três. A filha Maria, de 16 anos, que é uma adolescente típica, é quem auxilia Juliana, junto ao marido, e fecha a rede de apoio da matriarca.
“Meus filhos precisam de psiquiatra e neurologista; não têm. Precisando de dentista; não tem especializado. Geralmente, quando se consegue consulta no posto, a vaga vem depois de um ano ou mais, e isso é muito tempo para a criança esperar. Cada dia sem fazer o tratamento é um regresso, o trabalho é para ser feito diariamente”, continuou.
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Daniele Pedrosa, de 37 anos, mora em Santo Amaro, no Recife, e é mãe de um menino com TEA de grau um. Vídeo: LeiaJá Imagens
Participaram do protesto nesta quarta-feira (27) a Associação Mães de Anjos Azuis, o grupo Mães Especiais de Pernambuco, a Associação de Mães Atípicas de São Lourenço da Mata, a Aliança de Mães e Famílias Raras (AMAR), e o Instituto Crie Vida.
De acordo com a articuladora Daniele Pedrosa, desde 2019, há uma denúncia protocolada no Ministério Público de Pernambuco (MPPE), representando o interesse dessas famílias e solicitando o encontro com a Secretaria de Saúde do Recife (Sesau) e com a Secretaria Estadual (SES-PE), o que não aconteceu até essa quarta-feira (27), quando algumas das mães foram recebidas no Palácio do Campo das Princesas.
Algumas das unidades de saúde mais mencionadas pelas famílias foram os CAPS da Encruzilhada (Zaldo Rocha) e Jardim São Paulo (Galdino Loreto), e também o CEMPI de Jardim São Paulo e a Fundação Altino Ventura da Iputinga, todas no Recife. O LeiaJá entrou em contato com a Sesau para obter informações sobre a disponibilidade de pessoal nesses locais e também sobre as demais opções disponíveis para os serviços. Confira na íntegra:
“A Secretaria de Saúde (Sesau) do Recife esclarece que oferece atendimento às crianças com transtorno do espectro autista (TEA) na rede própria, por meio das Policlínicas Lessa de Andrade, na Madalena, Albert Sabin, na Tamarineira, e Salomão Kelner, em Água Fria. Além disso, o serviço é ofertado nos Centros de Atenção Psicossocial da capital e em clínicas conveniadas. O acesso ao atendimento multidisciplinar da Rede de Saúde Municipal é feito por meio das unidades Básicas de Saúde ou dos Caps da cidade. Estes últimos têm demanda espontânea. A lista das 17 unidades dos Caps pode ser conferida aqui: https://bit.ly/2Rz6fzo.
A Secretaria reforça o seu compromisso com a rede municipal de saúde e com os recifenses. Desde janeiro deste ano, nomeou, gradualmente, mais de 1.400. profissionais aprovados no último concurso público, realizado em 2019, que precisou ser interrompido em função da pandemia da covid-19. Desse total, mais de 900 já estão atuando nos equipamentos de saúde municipais.
Sobre a queixa do déficit de profissionais para atendimento a crianças com autismo ou deficiência intelectual, a Sesau explica que, nos últimos dois meses, convocou mais de 100 profissionais para atuar nos serviços de saúde mental, entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais e fonoaudiólogos, mas a adesão não aconteceu na mesma proporção da necessidade imposta. Enquanto isso, a Secretaria permanece empenhada para contratação desses profissionais.”